violência sexual

Artigo: Inércia ante os abusos

Em 18 de maio de 1973, Araceli Cabrera Crespo, de 8 anos, saiu mais cedo da escola, em Vitória (ES), para conseguir pegar o ônibus de volta para casa. Mas a menina nunca retornou à família

Em 18 de maio de 1973, Araceli Cabrera Crespo, de 8 anos, saiu mais cedo da escola, em Vitória (ES), para conseguir pegar o ônibus de volta para casa. Mas a menina nunca retornou à família. Foi sequestrada, drogada, espancada, estuprada e assassinada. O corpo, desfigurado e queimado, acabou encontrado apenas seis dias depois, em uma mata fechada. Os três suspeitos da atrocidade, integrantes de famílias influentes do Espírito Santo, foram inicialmente condenados, mas um outro juiz os absolveu. Portanto, esse crime brutal, que completa hoje 50 anos, continua impune.

Em memória de Araceli, o 18 de maio foi instituído como Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes (Lei 9.970/2000). A garotinha virou o símbolo desse enfrentamento, mas é uma luta em que o Brasil avança de forma quase imperceptível. A violência sexual contra meninos e meninas é crescente no país. Só para se ter um vislumbre do horror, o Disque 100 registrou, nos quatro primeiros meses deste ano, mais de 17 mil violações do tipo contra esse público.

É um aumento de 68% em relação ao mesmo período de 2022. Mas são dados que nem dão conta da realidade, por causa da subnotificação. Os crimes acabam encobertos porque, na imensa maioria das vezes, são cometidos por integrantes da família, como pais, padrastos, mães, madrastas, irmãos, primos, tios, avós. Há um pacto sórdido de silêncio para "preservar" a estrutura familiar. Além disso, é comum as vítimas serem desacreditadas ao revelarem a violência.

Num cenário medonho assim, não basta o Maio Laranja para informar e sensibilizar sobre o abuso e a exploração sexual de crianças e adolescentes. O embate tem de ocorrer todos os dias, com políticas públicas efetivas, o que estamos a anos-luz de fazer. O Estado tem de quebrar a própria inércia. São necessários investimentos na proteção desse público, em campanhas permanentes e abrangentes de conscientização, em programas de atendimento às vítimas. O combate também passa, obviamente, pela punição rigorosa dos culpados — hoje, ainda uma utopia.

Proteger crianças e adolescentes tem de ser missão prioritária de todos nós. Tanto com vigilância em casa quanto fora dela. Quando as vítimas revelam o crime, é preciso acreditar nelas, apoiá-las, fazer com que sintam-se seguras. E, claro, denunciar o abusador. Os canais são o Disque 100, WhatsApp (61) 99611-0100, site da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, videochamada em Língua Brasileira de Sinais (Libras), aplicativo Direitos Humanos Brasil, Telegram, polícias e conselhos tutelares. Cada um de nós tem o dever — determinado, inclusive, na Constituição, em seu artigo 227 — de agir pela segurança de meninos e meninas.

 


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