Os planos do Kremlin eram consolidar a invasão, tomar o poder em Kiev e instalar um governo títere, submisso às vontades e aos caprichos de Moscou. As melhores previsões indicavam uma guerra rápida, com duração entre três dias e uma semana. Deu tudo errado para Vladimir Putin. O presidente russo não contava com a capacidade de resiliência e de mobilização dos ucranianos. Qualidades evidenciadas durante a Revolução Maidan, nove anos atrás, quando uma multidão tomou a praça de mesmo nome, no coração da capital, e levou apenas cinco dias para forçar a restituição do então presidente Viktor Yanukovych.
Desde aquela época, os anseios de independência absoluta em relação à Rússia pairavam sobre Kiev e se misturavam ao desejo de a ex-república soviética se incorporar à União Europeia. Putin menosprezou a coragem dos ucranianos e a capacidade bélica das forças de Volodymyr Zelensky.
A primeira estocada contra a Ucrânia ocorreu exatamente em 2014, quando a Rússia anexou a Península da Crimeia, em clara violação ao direito internacional. Quase uma década depois, Putin amarga a perda de dezenas de milhares de soldados no front, enquanto vê a capacidade de combate da Rússia ser minada aos poucos.
Ao organizar pseudorreferendos para também anexar as regiões ucranianas de Kherson, Luhansk, Zaporizhzhia e Donetsk, o Kremlin conseguiu o que não queria: aglutinar mais apoio a Kiev e se isolar ainda mais na comunidade internacional. O Ocidente, especialmente os Estados Unidos e países da União Europeia, começaram a suprir Zelensky com armamento pesado. E os russos sofreram mais perdas territoriais importantes.
Na madrugada desta terça-feira, poucas horas antes de eu escrever este texto, Kiev foi sacudida por um ataque sem precedentes de mísseis, alguns deles hipersônicos. As autoridades ucranianas garantem que a maior parte dos artefatos foi interceptada antes que pudessem atingir o alvo. A ofensiva contra Kiev talvez seja uma medida desesperada de tentar enfraquecer as defesas aéreas da Ucrânia e atrasar a contraofensiva anunciada por Zelensky como crucial para a derrota da Rússia. Putin está "no mato sem cachorro".
Se levar adiante a guerra na Ucrânia, corre o risco de uma derrota vexaminosa, um desastre para a Rússia aos olhos dos russos e do mundo. Um cenário que poderia custar o próprio poder do presidente, considerado um czar da era moderna. Se assinar um acordo de paz e retirar suas tropas do país vizinho, enviaria uma mensagem de debilidade ante a comunidade internacional. Internamente, muitos questionariam o motivo de tantas vidas terem sido sacrificadas por uma guerra interrompida ou perdida. Putin meteu-se em um atoleiro. E ele não tem nem ideia de como sair de lá.