Os crimes ambientais provocados pelo garimpo ilegal têm deixado marcas terríveis no país, a começar pelo risco de genocídio de populações indígenas, em especial, a dos ianomâmis. Ainda que as autoridades venham agindo para tentar conter os estragos, se nada de mais efetivo for feito, a guerra será vencida pelas organizações criminosas que tomaram de assalto áreas protegidas por lei, mas abandonadas, nos últimos anos, pelo poder público.
É preciso urgência nas ações para que seja possível preservar os povos originários que, bravamente, têm resistido à barbárie. Um dos caminhos passa pelo controle efetivo do ouro que hoje é comercializado ilegalmente — as estimativas são de que 35% do metal extraídos todos os anos vêm de garimpos não reconhecidos oficialmente.
É verdade que, nos últimos meses, passos importantes foram dados no sentido de fechar algumas brechas que estimulam a produção ilegal de ouro. A decisão da Receita Federal de exigir a Nota Fiscal Eletrônica das distribuidoras de valores (DTVMs) que compra o metal de garimpeiros é um bom exemplo, assim como a Resolução 129/2023 da Agência Nacional de Mineração (ANM), que passou a exigir o registro das transações e a indicação de operações suspeitas. Também foi muito importante a suspensão, pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), do trecho da Lei 12.844, de 2013, definindo que bastava o garimpeiro garantir a boa-fé do metal para que tudo fosse legalizado.
Ao anunciar sua decisão, o ministro foi cirúrgico: "A falta de fiscalização da origem do ouro permitiu um consórcio espúrio formado entre o garimpo ilegal e as organizações criminosas". Ele disse mais: "Além dos evidentes danos ao meio ambiente, com comprometimento para a saúde humana, em especial da população indígena, a atividade de garimpo ilegal abre caminho para outros crimes, contribuindo para o aumento da violência e a insegurança na região". Gilmar determinou que o Congresso edite outra norma que substitua a regra da boa-fé.
A discussão levantada pelo STF, no entanto, explicitou o vácuo fiscalizador entre a Agência Nacional de Mineração e o Banco Central na fiscalização do ouro. Ao ser questionado sobre o seu papel em todo o processo, o BC alega que só acompanha o metal quando ele se transforma em ativo financeiro — somente as DTVMs podem comprar ouro direto dos garimpeiros. A ANM, por sua vez, argumenta que sua seara está restrita à extração, e, mesmo assim, tem apenas cinco pessoas para executar todo o trabalho. Quem ganha com essa lacuna, está claro, são os criminosos que saqueiam as riquezas do país.
Um dos instrumentos mais poderosos para frear a farra do garimpo ilegal é a rastreabilidade. O Brasil já adotou esse sistema nos casos de bebidas e cigarros, o que reduziu, significativamente, a sonegação de impostos incidentes sobre esses produtos. Resta saber se há determinação real das autoridades em utilizar essa tecnologia disponível no país, que permite acompanhar o registro de todas as operações da cadeia do ouro, ou seja, identificar quem extrai, os que vendem, os que compram e aqueles que refinam. O metal ilegal acabaria segregado e mais fácil de ser identificado.
O tempo está jogando contra o país, que se vê sob risco de um possível boicote a produtos brasileiros no exterior. Portanto, o debate sobre o tema é mais do que urgente. Não por acaso, o Correio realiza, nesta terça-feira, o seminário Caminhos do ouro, com a missão de apresentar propostas concretas para um problema que afeta a todos. A população indígena é, no momento, a principal vítima do garimpo ilegal. Mas, se prevalecer a inação, a fatura será paga por todo o país. Mais do que nunca, é preciso firmeza e compromisso para combater tamanha ilegalidade.