Por Sacha Calmon - Advogado
Foi-se o tempo em que o regime de inexistência formal de casamento e o regime de comunhão parcial livrava o cônjuge de responsabilidade civil e patrimonial. Hoje à falta de contrato expresso, tanto o regime de matrimônio como o concubinato fiel geram corresponsabilidade. Apenas o concubinato infiel que existe quando um ou os dois amantes é casado está a exigir definição jurisprudencial.
Para quitar a dívida referente a oito cheques sem fundos, a 1ª Câmara de Direito Comercial do Tribunal de Justiça de Santa Catarina deferiu o pedido de penhora da meação do imóvel adquirido em nome do companheiro da executada. A credora ajuizou uma ação monitória em 2019. Apurou que a executada tinha uma união estável com um homem há mais de 16 anos, com registro de uma cerimônia religiosa. Também descobriu que o casal reside com dois filhos em um imóvel, mas adquiriu uma segunda propriedade em 2013, por meio de contrato de gaveta, em outra cidade.
O magistrado de origem inicialmente negou a penhora porque não tinha conhecimento certo do regime conjugal estabelecido entre a executada e o seu companheiro. Inconformada, a mulher recorreu ao TJSC. Os desembargadores concluíram, por unanimidade, que os bens adquiridos pelo casal após a constituição da união estável, ainda que em nome apenas do companheiro, não integrante do polo passivo da lide, respondem pela execução até o limite da meação que cabe ao executado (processo n° 5019662-50.2022.8.24.0000).
O ato civil de conviver ou viver juntos traz responsabilidades mútuas e perante terceiros, inclusive os fiscos federais, estaduais e municipais, sem falar no INSS e compromissos sobre a égide da CLT. Os bens do devedor respondem pelas suas obrigações e se comunicam aos cônjuges com ou sem casamento formal (civil).
Penso que essa orientação é acertada. A jurisprudência tem papel normativo inegável em qualquer área do convívio social. No caso do Direito familiar e sucessório bem como no Direito das obrigações grande é a sua influência, suprindo a inexistência de leis ante a multifacetada realidade social.
Para lá do direito de família existe a questão social brasileira ainda sem solução. Noutras palavras precisamos primeiro dar escolas e medicina para toda a população, acabar com a política de seguir "pessoas" para seguir programas políticos e econômicos que resgatem da pobreza e ignorância endêmica em vigor no país. Não consigo enxergar uma concentração de esforços governamentais no sentido de instruir toda a população como ocorreu na China, de modo a fazer avançar a sociedade inteira.
Voltando ao regime matrimonial, é de se dizer com toda clareza que a informalidade é a regra para a maioria da população, o que traz insegurança para as partes e, eventualmente, para a família do casal, prejudicando a sociedade, bastando saber que 42% dos lares com filhos no Brasil são sustentados por mulheres, o que é um contrassenso inaceitável, sem falar na injustiça da situação.
Não por acaso, o Brasil é o país que mais empregos domésticos possui entre os países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos, se assim quiserem. Finalmente, sem um perfil conhecido da sociedade (o censo foi um fracasso, ainda no governo anterior) não é possível estruturar políticos sociais que nos permita uma saída consistente da posição atrasada em que nos encontramos.
Como sabido o mundo moderno concentra população diversa em termos de raças: brancos caucasianos e mediterrâneos e negros sudaneses ou bantus e amarelos, sem falarmos nos hindus, sejam os do vale do Rio Indo, sejam os demais do sul do subcontinente.
Foi-se o tempo de Roma, potência dominante do ocidente ou do império da China, que duraram séculos (no Ocidente e no Oriente e seus regimes matrimoniais contra as mulheres). A poligamia semítica e o mandarinato chinês. Não se diz que Salomão tinha mais de mil esposas e David cobiçava a mulher de Urias? No mundo, o modelo prevalecente é o monogâmico e até onde a poligamia existe, nos países muçulmanos, o regime é regrado.
O direito de família internacional e a noção de pátrio poder variam pelo mundo afora com a predominância do casal monogâmico e do direito das mulheres (inclusive o de defesa patrimonial) que são altamente importantes.
No século 21, a emergência política e social das mulheres é proativa, até pelo incremento dos meios de comunicação e o surgimento das redes sociais mundiais (Google, Tik Tok, etc.). É de se esperar que a igualdade política, social, educacional e cultural entre homens e mulheres seja alcançada até 2040, pois à medida que o tempo passa mais rapidamente, os pontos que interessam às pessoas em geral, no caso as mulheres, avançam com velocidade jamais vista em outros tempos, ao longo devir histórico.
Ao cabo, o que sempre esteve em jogo no relacionamento do homem e mulher são a comunhão de corpos, regime de bens e a proteção da prole. O fato é sociológico e jurídico, em termos intertemporais ou geográficos.