LUIS CARLOS ALCOFORADO - Advogado
A crise institucional por que passa o Brasil exige compreensão para que se possam preservar os princípios, direitos e garantias fundamentais insertos na Constituição da República. A instabilidade política carece de força para justificar contorcionismos legais, com afronta à Constituição, em nome da preservação do Estado Democrático de Direito, que não se harmoniza com medidas arbitrárias ou casuísticas, sob a égide de um Estado violento para impor à cidadania restrições aos direitos que deveriam ser custodiados.
Cada personagem tem papel relevante a cumprir no desempenho de suas funções constitucionais, de tal sorte que os poderes da República não se deixem seduzir por narrativas ou teses jurídicas não consentâneas com a Constituição Federal e com os costumes nacionais, também fonte de direito.
Os poderes constituídos têm obrigação de fazer valer a vontade do constituinte, como elemento fundante da nação. Nos tempos correntes, verificou-se a hegemonia do Supremo Tribunal Federal na condução de soluções de Estado, com flagrante hipertrofia de sua competência e funções constitucionais, sob o protagonismo do ministro Alexandre de Moraes, cujas decisões são confortadas e harmonizadas pela maioria daquela corte, sem força capaz de neutralizar o aparente ímpeto repressor.
Assim, os institutos constitucionais sofrem adaptações sem diálogo com a tradição jurídico-cultural brasileira, que, mesmo em períodos sombrios e turbulentos da nossa história, edificou fundamentos que conservam intimidade com o Estado Democrático de Direito, relação cuja higidez deve ser preservada.
O agigantamento do Supremo Tribunal Federal, com o sufocamento dos direitos da cidadania e de outros poderes da República, tem a inegável vocação para criar precedentes perigosos e inconstitucionais, certamente a serem invocados no futuro, premissa que deixará a Justiça presa aos casuísmos e arbítrios fincados em casos concretos, o que representará um retrocesso à civilidade.
Para ter uma ideia da magnitude da decisão do STF em relação à barbaridade dos atos de 8 de janeiro, apenas os ministros André Mendonça e Nunes Marques, numa análise exauriente do contexto narrado pela acusação, rejeitaram as denúncias ditas ilegais, porque não descreviam minimamente as condutas individualizadas de cada um dos denunciados, em afronta à lei.
A grosseria técnica de algumas das denúncias se projeta na constatação de que se trata de peças genéricas e uniformes, sem esmero à falta de adaptação ao caso concreto, as quais se expõem à inépcia à luz da própria narrativa, segundo a qual se confirma, expressamente, não se ter "notícia, até o presente momento, de que o denunciado estivesse entre eles", ou seja, entre os participantes dos atos de depredação que estariam efetivamente envolvidos no vandalismo.
Significa dizer que, nessa fogueira inquisitorial, o Estado se estimulou a lançar no rol de denunciados pessoas que, a toda evidência, sofrerão as consequências da crepitação, por força de labaredas que queimam o corpo e danificam, definitivamente, a alma, notadamente em razão de prisões preventivas alongadas, à guisa da formação de culpa.
A rigor, verifica-se que há aparente tentativa de responsabilização objetiva, o que é vedado no campo do direito penal, segundo a doutrina e a jurisprudência do STF. Para obstar a impunidade dos vândalos tresloucados, a observância aos princípios e preceitos próprios do direito penal e do direito processual penal constitui imperativo, sob pena de nulidade do processo. Faça-se justiça! Impeçam-se as injustiças.
Não é a quantidade dos castigos e dos castigados que salvará a democracia, mas o correto enquadramento nos tipos penais, sob a plena franquia do devido processo legal e da ampla defesa, em cujas premissas se acha o direito de ser julgado por juiz competente, sem artificialismo do juízo natural em cujo poder se concentre a competência para processar e julgar o acusado. As crises institucionais e seus protagonistas passam, os precedentes ficam.