Entre os pontos positivos da viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Portugal e Espanha, um merece destaque especial: o acordo entre o Mercosul e a União Europeia. Tanto o primeiro-ministro de Portugal, António Costa, quanto o líder espanhol, Pedro Sánchez, expressaram o compromisso para que o pacto comercial entre os dois blocos, que vem sendo negociado há mais de 20 anos, seja, finalmente, assinado. A Espanha assumirá a presidência temporária da UE a partir de julho, o que será fundamental para quebrar as resistências à parceria, que se concentram, sobretudo, na França e na Irlanda, que querem manter proteção de seus mercados agrícolas, em que os sócios do Mercosul são muito competitivos. O argumento sempre é o de que o Brasil desmata suas florestas para o plantio e a pecuária.
Na conversa com Lula, Sánchez admitiu os percalços que ainda existem no meio do caminho do acordo, mas disse ser possível superá-los com uma boa dose de conversas. O presidente brasileiro, por sua vez, reconheceu que algumas exigências dos europeus são inaceitáveis, em especial na área ambiental, e precisam ser revistas. Mas ponderou estar disposto a trabalhar com os parceiros da América do Sul para que se chegue ao consenso até o fim deste ano. Na administração de Jair Bolsonaro, apesar de toda a má vontade com o ex-presidente, a Europa destravou as negociações e uma prévia do acordo foi fechada, o que foi considerado um avanço importantíssimo para que, agora, o processo seja acelerado.
É importante frisar que o acordo, se fechado, será bom para os dois blocos. Em sociedade, Brasil, Argentina, que vive uma crise gravíssima, Paraguai e Uruguai poderão explorar um mercado de quase 500 milhões de consumidores. Será uma oportunidade para que a indústria brasileira mostre sua potencialidade para se reinventar e passar a exportar produtos de alto valor agregado. O Brasil perdeu espaço nesse mercado altamente competitivo nas últimas duas décadas devido a sua baixa produtividade e a pequena capacidade de inovação para concorrer com as mercadorias chinesas.
A Europa, como destacaram Costa e Sánchez, necessita do Brasil e dos parceiros do Mercosul, principalmente para garantir o abastecimento de comida. Os europeus sentiram muito a escassez de alimentos provocada pelo conflito entre a Rússia e a Ucrânia. A inflação é a maior na região desde o fim da Segunda Guerra Mundial, desgastando os atuais governos, confrontados pela extrema direita, que explora, com eficiência, a crise atual. Resta saber se as corporações, que pregam reservas de mercado, estarão dispostas a ceder aos apelos das autoridades.
O governo brasileiro demonstra empenho em fechar o acordo, mas Lula afirma que a parceria entre o Mercosul e a União Europeia não pode exigir sacrifícios grandes dos países da América do Sul, que precisam voltar a crescer, gerar emprego e ampliar a renda. Há um nó a ser desatado no mercado trabalhista da Argentina. O problema é que o atual governo do país vizinho está de joelhos, a ponto de o presidente Alberto Fernández abrir mão da candidatura à reeleição. Lula terá de estender as mãos ao colega para que o consenso seja fechado.
Num mundo com graves problemas políticos, com a pobreza e a fome afetando milhões de pessoas, quanto mais mercados os países conquistarem, melhor. Não há dúvidas de que o acordo entre o Mercosul e a União Europeia é positivo para os dois blocos. E, depois de mais de duas décadas de debates, de idas e vindas, é possível avançar para a assinatura final. O pacto entre os mercados deve ser de ganha-ganha, pois são complementares. A Europa está ciente do forte crescimento da presença chinesa ao Sul do Equador. Portanto, precisa garantir espaço na região não apenas do ponto de vista comercial, mas, também de relevância política. A hora é agora.