A agricultura passou por uma de suas mais importantes revoluções no século passado. A introdução do maquinário pesado no campo, somada ao desenvolvimento de novos fertilizantes, pesticidas e demais compostos químicos, fez com que a produtividade da lavoura aumentasse significativamente. Esse processo, batizado de revolução verde, deu origem ao agronegócio como o conhecemos hoje, permitindo à humanidade produzir comida em uma escala nunca sequer sonhada desde o surgimento da primeira plantação.
Agora, no século 21, frente às mudanças climáticas, à degradação dos grandes biomas e à ameaça da insegurança alimentar em nível global, precisamos de nova revolução verde, dessa vez com o sinal trocado, por assim dizer. O investimento em ciência e inovação tecnológica continua, é claro, sendo crucial para o futuro do campo, mas, em vez de criarmos métodos sintéticos de ampliação da produtividade, talvez seja o momento de estudarmos os mecanismos naturais de proteção e reprodução dos ecossistemas, extraindo daí conhecimentos que nos permitam construir modelos mais eficientes e sustentáveis de exploração agropecuária.
Essa, aliás, é uma tendência que não se restringe ao setor rural. Da chamada arquitetura verde, que pensa o desenvolvimento das cidades levando em conta o equilíbrio climático, a preservação dos leitos d'água e a função dos espaços verdes, à instrumentalização do design natural na fabricação de próteses, tecidos, embalagens e medicamentos, a ideia é uma só: aprender com a natureza e reproduzir suas estratégias.
A ideia de aproveitamento dos conhecimentos que a natureza nos oferece também está por trás de empreitadas como as agroflorestas (culturas agrícolas intercaladas com a vegetação nativa), já bastante relevantes na produção de café, por exemplo, ou dos sistemas integrados de plantio, isto é, a manutenção de lavoura, pasto e mata reflorestada em um mesmo terreno, de maneira intercalada. Vários estudos, muitos deles realizados no Brasil, que tem reconhecimento mundial na área de pesquisa em agronomia, mostram que esses novos modelos de plantio capturam carbono de maneira mais eficiente e, ao mesmo tempo, aumentam a produtividade.
O campo da microbiologia também ilustra bem essa tendência, com o desenvolvimento de fertilizantes não sintéticos, baseados na fixação de nutrientes no solo por microrganismos como as bactérias. Isso cria uma alternativa mais sustentável para o agronegócio, haja vista que a produção de insumos químicos apresenta desafios ambientais e torna países como o Brasil menos dependentes de fertilizantes importados.
A polinização por meio das abelhas e outras espécies de polinizadores também tem contribuído com o desenvolvimento de novas cadeias produtivas inclusivas, quando realizada por pequenos produtores ou comunidades tradicionais, ampliada a produção de grãos e redimensionada a utilização de defensivos agrícolas. Lavouras que contam com a ação de polinizadores tendem a reduzir a utilização de agrotóxicos.
Mas os ganhos de uma nova revolução verde não se restringem ao meio ambiente. Aquilo que a ciência tem chamado de Soluções Baseadas na Natureza (SBN) coincide, muitas vezes, com conhecimentos há muito cultivados e compartilhados por comunidades tradicionais, indígenas, quilombolas e de pequenos agricultores.
Há, aqui, uma importante imbricação entre os campos ambiental e social: ao mesmo tempo que a pesquisa de SBN é uma chave para a reformulação do agronegócio em bases mais sustentáveis, mais adaptadas, portanto, aos desafios da nossa época, ela aponta para a necessidade de preservarmos os circuitos agrícolas regionais e de criarmos soluções que levem em conta a diversidade econômica e cultural de cada pequena cadeia produtora. Além de sustentável, o agro do século 21 é aquele da convivência harmoniosa entre produtores de todos os portes.
Foi essa confluência de agendas que inspirou a Fundação Bunge a escolher soluções baseadas na natureza para uma agricultura sustentável e inclusiva como temática da edição deste ano de seu prêmio para trabalhos em ciências agrárias. Milhões de anos antes do surgimento do primeiro ser humano, a natureza já tinha descoberto mecanismos altamente sofisticados para a sustentação da vida nos diferentes biomas do planeta. Se, pelas próximas décadas, quisermos manter nossa capacidade de produzir comida para todos, será preciso dar mais atenção ao que a natureza tem a ensinar.
* ADALBERTO LUIS VAL, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e membro titular da Academia Brasileira de Ciências
* CLAUDIA BUZZETTE CALAIS, diretora-executiva da Fundação Bunge
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