NULL
EDITORIAL

Visão do Correio: Necessidade de ajustar o tom

"Lula deixa claro que busca recolocar o Brasil como protagonista da geopolítica internacional, cada vez mais polarizada entre Estados Unidos e Europa de um lado, e Rússia e China do outro"

Hall do centro de convenções de Sharm el-Sheikh deserto no encerramento da conferência: combate ao aquecimento global desaponta -  (crédito:  AFP)
Hall do centro de convenções de Sharm el-Sheikh deserto no encerramento da conferência: combate ao aquecimento global desaponta - (crédito: AFP)
postado em 31/05/2023 06:00

Nos primeiros meses do seu terceiro mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem priorizado preencher o vácuo que o Brasil deixou nas relações internacionais nos últimos quatro anos. Com a ida a cúpulas globais desde que foi eleito e antes mesmo de tomar posse, como na COP27, em novembro, no Egito, Lula deixa claro que busca recolocar o Brasil como protagonista da geopolítica internacional, cada vez mais polarizada entre Estados Unidos e Europa de um lado, e Rússia e China do outro, com os demais países orbitando perifericamente. Defensor dos interesses nacionais, incluindo os comerciais.

Desde a posse, Lula fez uma extensa agenda de viagens para participar de reuniões do Mercosul, na Argentina, e dos Brics, na China, marcando a retomada dos dois blocos econômicos que reúnem o primeiro e o terceiro maiores parceiros comerciais do Brasil. Visitou os Estados Unidos e fez ainda viagens a países da Europa, como Inglaterra, Espanha e Portugal e mais recentemente foi à reunião do G7, no Japão, onde participou de vários encontros bilaterais. Passou ainda pelos Emirados Árabes.

Agora, articulou a realização de um fórum dos países da América Latina, para unificar as posições das nações em temas comuns e na defesa de interesses econômicos. Com a presença de 10 chefes de Estado, a cúpula ocorreu e estabeleceu pontos que vão de maior integração em energia e infraestrutura e uma moeda comum a até ações conjuntas em relação às mudanças climáticas e à mobilidade de estudantes, professores e pesquisadores, passando por uma maior integração comercial e na área de saúde.

Com o fórum, Lula coloca o Brasil na liderança da América Latina. Mas se teve a intenção de promover a integração — que ele próprio diz ser necessária, apesar das divergências ideológicas —, o que é correto e louvável, há um erro grave no tom adotado pelo presidente brasileiro ao defender o colega da Venezuela. Ao afirmar que a situação no país é uma "narrativa" construída de fora, Lula ignora que Nicolás Maduro está no governo desde 2013 e há prisões de opositores e perseguição a jornalistas críticos ao seu comando. Não, não se tratam de narrativas as acusações de ações antidemocráticas e problemas relacionados a direitos humanos no país vizinho, governado por decreto e com poderes especiais conferidos ao chefe de Estado.

Lula viu a cúpula proposta para unificar os países se tornar o palco da divisão ideológica que dificulta a integração regional, que seguramente não ocorrerá se essas diferenças forem jogadas para debaixo do tapete. Mesmo que tenha dito a Maduro que a forma de a Venezuela responder ao mundo é realizando eleições livres e democráticas, o presidente brasileiro ultrapassou a linha ao não se ater ao pragmatismo da aproximação com a Venezuela, o que é de interesse do Brasil do ponto de vista comercial e até porque o governo Maduro tem uma dívida de US$ 1,27 bilhão com o nosso país.

Não é a primeira vez que Lula erra pelo discurso embora a intenção seja certa. Ao defender a paz na Europa, culpou a Rússia e a Ucrânia igualmente pela guerra, quando na realidade o território ucrâniano foi invadido por tropas russas, gerando assim um mal-estar desnecessário e tirando o foco da defesa da paz, que interessa ao planeta. O presidente Lula recoloca o Brasil no mundo, mas precisa se lembrar de que o mundo de hoje é muito diferente do tempo globalizado dos seus primeiros mandatos. Se for lembrado que entre os pontos da cúpula está a democracia, direitos humanos e proteção às instituições, a exaltação feita por Lula a Maduro fere de antemão esses princípios.

Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Ícone do whatsapp
Ícone do telegram

Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores pelo e-mail sredat.df@dabr.com.br

-->