Estive em Caracas uma década atrás. O ex-presidente Hugo Chávez tinha acabado de morrer e as exéquias corroboraram a imagem de líder populista. A capital da Venezuela chorava a morte de seu comandante como se tivesse perdido um pai. Personalista, Chávez se colocava como o próprio bolivarianismo — incorporado em seus longos discursos, na adoração a Simón Bolívar e na retórica anti-imperialista. Com pouco apreço pela democracia, calou a oposição e se perpetuou no poder. Foram 14 anos à frente do Palácio de Miraflores. Talvez tivessem sido mais 14, não fosse a doença que lhe levou a vida, aos 58. Eu me recordo das longas filas de gente em prantos. No Paseo de Los Próceres, enquanto os venezuelanos velavam o corpo de Chávez, eu assistia, pelos telões, à posse de Nicolás Maduro.
A ascensão do vice ao poder trouxe incertezas sobre os rumos da Venezuela: se escolheria o caminho da democracia ou se continuaria o mergulho na seara do autoritarismo. Maduro abraçou a segunda alternativa. Nesses últimos 10 anos, entrevistei opositores que foram confinados e torturados no temível Helicoide, a masmorra instalada no centro de Caracas. Alguns não suportaram a pressão e fugiram para o exílio, como Antonio Ledezma, ex-prefeito da capital venezuelana. Enquanto rasgava o tecido democrático venezuelano, Maduro destruía a fragilizada economia do país, que nem de longe lembrava a opulência do petróleo da década de 1990. A gestão desastrosa forçou os cidadãos mais humildes a escaparem para nações vizinhas, em busca de melhores condições de vida.
Há oito anos Maduro não visitava o Brasil. Nos últimos quatro, o ex-presidente Jair Bolsonaro rompeu relações com o socialista e tratou a Venezuela como pária. O atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez certo em restabelecer o canal diplomático com Caracas e em receber Maduro em Brasília, no marco do reaquecimento da integração regional. Mas errou ao sobrepor a simpatia ideológica aos fatos e avalizar o regime madurista. Tratou o herdeiro de Chávez como um democrata injustiçado por uma "falsa narrativa" montada pelos inimigos. Foi o segundo erro da política externa lulista em seis meses de governo. O primeiro foram as declarações atabalhoadas pró-Rússia e a proposta de cessão territorial por parte da Ucrânia.
Lula deveria ter se focado na cooperação entre Brasil e Venezuela, e na retomada do Mercosul. Chefes de Estado aprofundam relação, no melhor dos interesses de suas nações. Defender autocracias por simpatia ideológica não cabe a um mandatário. Ao fazê-lo, o brasileiro aprofunda ainda mais o fosso entre aqueles que o elegeram e os seguidores da extrema direita. O Brasil, na condição de maior democracia do Hemisfério Sul e de nação que até hoje não puniu os crimes da ditadura, não deveria cortejar um líder que não se furta em calar e torturar adversários. Lula se apequena.
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