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Artigo: Terra sem lei?

"Se olharmos para o direito comparado, veremos que a situação não é diferente nos demais países: ou há regulamentação para aquisição de terras, ou há proibição da aquisição por estrangeiros"

Martelo, justiça -  (crédito: Maurenilson Freire/CB/D.A Press)
Martelo, justiça - (crédito: Maurenilson Freire/CB/D.A Press)
Guilherme Stumpf
postado em 30/05/2023 06:00

Façamos um breve histórico: a pedido da Ordem dos Advogados do Brasil, o ministro André Mendonça concedeu medida cautelar para suspender os processos judiciais em trâmite no território nacional que discutem a validade da legislação que prevê regras para aquisição de terras rurais por pessoas jurídicas brasileiras equiparadas a estrangeiras.

A decisão nada mais fez do que reforçar algo cristalino: a própria Constituição, no art. 190, determina que a lei regulamente a aquisição de terras rurais por estrangeiros. A matéria é disciplinada pela Lei nº 5.709/1971, que goza de presunção de constitucionalidade — axioma que norteia o princípio da separação dos poderes. Logo, a liminar impedia que um juiz afastasse a aplicação do § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709, de 1971, enquanto não houvesse decisão definitiva do STF acerca da recepção ou não do trecho da lei pela Constituição.

Mais: no caso específico, trata-se da lei responsável por garantir a soberania nacional. Vejamos um exemplo da sua importância: de acordo com dados do SNCR, nos estados da Amazônia Legal, houve um crescimento, entre 2003 e 2007, de 22% do número total de imóveis cadastrados, com um aumento de área ocupada de 61%. Em 2007, registrava-se que 3,5 mil desses imóveis estavam sob controle estrangeiro, ocupando uma área de 1,4 milhão de hectares. De lá para cá, a imprensa não deixa de denunciar o aumento de casos de exploração ilegal de terras por estrangeiros.

Se olharmos para o direito comparado, veremos que a situação não é diferente nos demais países: ou há regulamentação para aquisição de terras, ou há proibição da aquisição por estrangeiros. A União Europeia, por exemplo, possui um sistema híbrido, em que cada país regulamenta a situação de acordo com a sua realidade. Isso leva a três modelos básicos: i) apenas estrangeiros residentes podem adquirir terras (Alemanha, Itália), ii) restrições leves à compra de terras por estrangeiros (Noruega, Polônia) e iii) restrições rígidas à compra de terras por estrangeiros (França, Bélgica, Holanda). Justamente por isso, é lamentável que empresas estrangeiras se sintam à vontade para burlar as restrições — também existentes em seus países — adquirindo imóveis no Brasil em total desacordo com o que é estabelecido pelo ordenamento jurídico.

A liminar concedida determinava a suspensão do trâmite dos processos judiciais que discutiam a aplicação da legislação até manifestação definitiva do Supremo Tribunal Federal. Sucessivamente à concessão da cautelar, houve sua submissão a referendo do plenário, em sessão virtual convocada para esse fim. A partir daí presenciou-se um impasse. Com a aposentadoria do ministro Ricardo Lewandowski, a Corte passou a ter 10 ministros. Desses, cinco se manifestaram favoráveis à manutenção da liminar (André Mendonça, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Edson Fachin e Nunes Marques) e cinco foram contrários à concessão da medida de urgência (Roberto Barroso, Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Rosa Weber e Luiz Fux).

Diante desse cenário de incerteza, o julgamento deveria ter sido suspenso, aguardando-se a nomeação do novo ministro. Foi o que ocorreu, por exemplo, no julgamento da cautelar, que versava sobre a possibilidade de pessoas trans escolherem em qual presídio cumpririam pena. Àquela época, a Corte contava igualmente com 10 ministros, o que acabou gerando um empate de votação. O julgamento foi suspenso e ingressará novamente na pauta para que seja colhido o voto faltante, desempatando a questão.

Preferiu-se, contudo, publicar a ata de julgamento, aplicando a regra que prevê, nos casos de empate, o indeferimento da medida cautelar requerida. Não se discutiu a questão de fundo da ação — os próprios ministros Roberto Barroso e Gilmar Mendes sinalizaram que não estavam adiantando o julgamento futuro. Ao afastar a suspensão da medida cautelar, o STF apenas autorizou o retorno da tramitação dos processos judiciais.

*GUILHERME STUMPF - Advogado

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