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Educação

Artigo: Brasil reprovado em avaliação de leitura

"Com média de 419 pontos, o país ficou nas últimas colocações, atrás de nações como Uzbequistão e Azerbaijão e a uma distância muito expressiva da pontuação obtida por países desenvolvidos"

pri-2605-opiniao opinião -  (crédito: Caio Gomez)
pri-2605-opiniao opinião - (crédito: Caio Gomez)
Ernesto Martins Faria, Lecticia Maggi
postado em 26/05/2023 06:00

Foram divulgados, no dia 16, os resultados do Progress in International Reading Literacy Study (Pirls), uma avaliação global de leitura destinada a alunos do 4º ano do ensino fundamental. O Pirls existe desde 2001 e é aplicado a cada cinco anos. Em 2021, participaram estudantes de 65 países ou regiões, sendo que o Brasil fez sua estreia no grupo com uma amostra representativa de alunos de escolas públicas e privadas de todas as regiões. Com média de 419 pontos, o país ficou nas últimas colocações, atrás de nações como Uzbequistão e Azerbaijão e a uma distância muito expressiva da pontuação obtida por países desenvolvidos (todos acima de 510 pontos), com exceção da região francesa da Bélgica.

Para além dessa média geral bastante preocupante, há outro dado ainda mais sensível e que exige nossa atenção: o alto percentual de estudantes brasileiros que nem sequer conseguiram fazer a avaliação. Isso é perceptível porque a Association for the Evaluation of Educational Achievement (IEA), organização responsável pelo Pirls, tem uma interpretação pedagógica para ajudar na leitura dos resultados: a partir de 400 pontos, o estudante está no nível básico de proficiência; de 475, intermediário; de 550, alto; e de 625 avançado. No Brasil, 38,4% obtiveram menos de 400 pontos, ou seja, não estão nem no nível básico da escala. Um quarto dos nossos alunos obteve pontuação de 339 ou inferior, o que representa estar mais de 1,5 desvio padrão do ponto central da escala, criado em 2001.

Saindo do técnico, isso representa que esses alunos não conseguiram sequer ler a prova e, provavelmente, não chegaram ao final da avaliação. Nos países desenvolvidos, não há estudantes com menos de 340 pontos (retiram-se os 5% de alunos de pior desempenho de todos os países para essa análise). Mesmo 400 pontos é um cenário de exceção: Itália, Holanda e Espanha, por exemplo, não têm estudantes nesse patamar. São países com bons resultados em leitura, mas que não estão no topo do ranking.

Ainda que pouco conhecido no Brasil, o Pirls é uma avaliação internacional renomada, e os resultados do país deveriam nos provocar: por que fomos tão mal? Há de fato uma parcela importante dos alunos que não está alfabetizada aos 10 anos de idade? O Pirls nos alerta de que não estamos nada bem nos anos iniciais, cenário um pouco diferente do apontado pelo Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), a principal avaliação em larga escala dos nossos ensinos fundamental e médio. O Saeb mostra uma situação mais positiva no 5º ano do Ensino Fundamental, com avanços importantes na média dos estudantes nos últimos anos. Isso faz com que a discussão, em geral, se concentre em como fazer com que os bons resultados da etapa cheguem até os anos finais e o ensino médio, quando, na verdade, ainda há muito para ser discutido sobre a etapa em si.

Realmente, houve evolução nos anos iniciais, mas talvez não na magnitude que o Saeb nos faz crer. O Programme for International Student Assessment (Pisa), outra avaliação internacional de aprendizagem, mas destinada a estudantes de 15-16 anos, também coloca o Brasil nas últimas posições do mundo. Isso levou o pesquisador Naercio Menezes Filho e colegas a investigar, a partir do Pisa 2015, o que está por trás desses resultados. A principal hipótese deles é de que, no início da prova, apenas habilidades cognitivas interfiram na probabilidade de acerto ou não de uma questão, mas já no decorrer da avaliação, habilidades socioemocionais, como persistência, concentração e determinação, também tenham influência. Segundo os pesquisadores, o baixo desempenho do Brasil estaria relacionado não só às questões cognitivas (falta de conhecimento sobre determinado assunto), mas também às habilidades socioemocionais e à dificuldade dos estudantes com a prova em si. Muitos nem sequer chegam até o final do exame.

O Pisa, assim como o Pirls, tem uma estrutura bastante diferente da do Saeb: entre outras características, os textos apresentados são mais longos, o que exige mais concentração, calma e resiliência dos estudantes para responder às perguntas subsequentes. Elas trazem também questões abertas, diferentemente do Saeb, em que há apenas questões de múltipla escolha. O pouco costume com avaliações desse tipo e o estranhamento que causam também podem contribuir com os resultados, além, é claro, do fato de exigirem habilidades mais complexas.

Essas constatações são importantes para pensarmos as políticas públicas para o setor. Os resultados do Pirls precisam ser considerados pelo Ministério da Educação (MEC) na elaboração de programas de alfabetização, por exemplo. Da mesma forma, as avaliações nacionais têm um importante papel não só de mostrar qual é a situação da educação, mas também de ajudar na construção do sistema educacional que queremos. Por isso, é essencial a revisão do Saeb para que passe a ser mais exigente e demande dos estudantes habilidades cognitivas mais complexas. Assim, ao vermos um bom resultado na avaliação nacional, teremos a tranquilidade de saber que eles estão dominando conhecimentos importantes para seu futuro e a vida em sociedade, o que não acontece plenamente hoje.

*ERNESTO MARTINS FARIA, diretor-fundador do centro de pesquisas Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede)

*LECTICIA MAGGI, gerente de comunicação no Iede

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