Daniela Luciana - Jornalista, poetisa, membro da Irmandade Pretas Candangas,do Coletivo Literário Ogum's Toques e da Cojira-DF
A última edição do BBB terminou em abril amargando o maior fracasso de audiência de sua história e deixou vários questionamentos sobre a participação de pessoas negras no reality mais famoso do país. Os diversos episódios de preconceito presenciados por quem acompanhou o programa ressignificam dois famosos slogans: "O Brasil tá vendo" e o "O Brasil tá lascado", além de contribuir decisivamente para o malsucedido final.
Desde o início da edição, para o grande público, imprensa especializada, anunciantes, torcidas fervorosas, perfis influentes nas redes sociais — negras ou não, o debate em torno das práticas racistas polarizou grupos. Um jogo da discórdia que se estendeu por meses. De um lado, aqueles que se recusam a enxergar em algumas falas, ações, preferências, escolhas, parte do jogo ou da convivência, o racismo. De outro, as pessoas — negras ou não — que não tinham dúvidas sobre o que ocorria na casa mais vigiada do Brasil.
Essa análise tem lado e tem respostas, dolorosamente assimiladas ao longo dos meses em que acompanhei atentamente o programa e as grandes repercussões nas redes sociais, onde mais se tornou assunto. Meu lado é o do Brasil que estava vendo o racismo acontecer e que alimentou expectativas de que uma vitória contra esse mal ocorresse no jogo, mas foi aceitando a derrota a cada eliminação de pessoas negras que também viam e sentiam, compreendendo que o país segue lascado.
Talvez por ser a edição com mais participantes negros, um elenco que exibia incontestável diversidade, que formava uma paleta de cores, posicionamentos, personalidades, diferenças representativas, comecei esperançosa. Dói bastante perder as esperanças de que se acolha a riqueza que somos, ali representada, que não sejamos passíveis de favoritismo — que pode ser lido como doentio, mesmo que haja protagonismo, que não se transforme a coragem de explicitar o racismo em superação sobre quem nos desrespeita ao vivo para todo o país.
Conforme as pessoas negras eram eliminadas, por vezes com os mesmos argumentos que não faziam as pessoas brancas saírem do jogo, a percepção da injustiça crescia perante a opinião pública. No entanto, as expectativas de quem acompanhou, diretamente ou pelos intensos debates nas redes sociais — também diferiam em acordo com a capacidade ou vontade de avaliar os acontecimentos. Como é uma disputa em que, conforme se desenrola a edição, vão saindo pessoas e se fortalece um conjunto de possíveis finalistas, houve grande pressão para que se eliminassem jogadores que foram identificados como agentes de preconceitos e perseguições.
Nada adiantou e uma das mais agressivas mulheres brancas chegou à final. Outra dessas, que durante meses só votou em pessoas negras, foi a ganhadora. Aqui, deliberadamente não menciono nomes para não dar palco. Foram meses em que li diariamente que racismo não era entretenimento, mas uma parte do Brasil preferiu continuar votando para que essas mulheres permanecessem e chegassem à vitória formal. Ganharam, mas não levaram.
A audiência foi abandonando a atração em paralelo com a saída das pessoas negras. Houve campanha para cancelamento de assinaturas do pacote que dava acesso 24 horas às câmeras da casa, houve posicionamento e avisos de que essa edição não acabaria bem. Foi a pior audiência de uma final do Big Brother Brasil. O pay-par-view deixou de ser exclusivo para assinantes nos últimos dias, com sinal aberto, mesmo assim não evitou o desastre. O programa que arrecadou cerca de um bilhão de reais com patrocinadores viu a audiência desabar e a imagem negativa colar em quem investiu. Uma derrota que virou uma vitória sobre quem se recusou a enxergar e seguiu ao lado de quem fez a maior parte do público rejeitar as vitoriosas parar de votar e assistir.
Se eu vi até o final? Vi sim. E acompanho a onda de rejeição com um grande prazer e sentimento de justiça. Como acompanho o pós das oficialmente campeãs e dou muito mais atenção e likes a quem venceu de verdade, quem enfrenta o racismo diário e enfrentou lá dentro, com axé, conhecimento, graça, charme, com afronte, cada participante com suas armas, mesmo perdendo a batalha jogada. Aliás, tinha uma pessoa não branca na final. A única que não será citada nesses agradecimentos finais porque o artigo é meu e ela não me representa.
Obrigada a Fred Nicácio, Domitila Barros, Sarah Aline, Cézar Black, Gabriel Santana, Marvvila, Ricardo Alface, Tina Calamba, Paula Freitas, Bruno Gaga. O Brasil está vendo. O Brasil está lascado, mas a revolução está em curso.
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