NULL
democracia

Artigo: O resto é conversa

Democracia não é, absolutamente, o que definem as autoridades, de cima para baixo. Trata-se de um conjunto de poderes que emanam, exatamente, de baixo para cima

congresso nacional -  (crédito: Reprodução/Pixabay)
congresso nacional - (crédito: Reprodução/Pixabay)
postado em 14/05/2023 06:00 / atualizado em 15/05/2023 17:29

Muito se tem falado em nosso país sobre a imperiosa necessidade de defesa da democracia, como se a dita cuja fosse uma órfã desemparada e que, portanto precisasse da guarda ou tutela oficial dos Poderes do Estado. Não é de se estranhar que em tempos assim, em que até definição primária do sexo transita sobre uma extensa corda bamba, houvesse também dúvidas e temores sobre a tão desprotegida democracia, a ponto de levá-la para uma espécie de fábrica remodeladora, onde receberá as inovações e os dispositivos que as elites no poder desejam.

Nada mais falacioso. Democracia não é, absolutamente, o que definem as autoridades, de cima para baixo. Trata-se de um conjunto de poderes que emanam, exatamente, de baixo para cima. Em termos gerais é dito que a democracia é o que o povo quer que ela seja. Para tanto o manual que melhor explica sua mecânica, finalidades, sua abrangência e seus atores estão contidos, de forma clara, na chamada Constituição República Federativa do Brasil de 1988. Está tudo ali, não sendo necessário reparos de última hora, principalmente confeccionados para atender anseios de governos de plantão.

Alterar esses dispositivos, por menor que seja, sem uma consulta direta aos cidadãos, é um perigo e uma afronta. A sociedade é o único agente plenipotenciário, capaz de propor remendos ou o que quer que seja na Carta Magna. Na dúvida, consultem o manual. Na dúvida sigam o que diz o manual. Em outras palavras, poderíamos dizer também: "É a Constituição estúpido!". Não se enganem: toda essa discurseira atual sobre defesa da democracia, depois de eleições tumultuadas e de todo o histórico que levou a eleição do atual presidente, é, para dizer o mínimo do mínimo, um risco.

Democracias são testadas justamente em momentos de crise. Veja o exemplo dos Estados Unidos e de outros países que possuem Constituições longevas, concisas e que se tornam mais fortes e poderosas, à medida em que atravessam turbulências. Em outros termos pode-se afirmar que democracia é o que a Constituição diz ser. Nada mais.

Cuidado com os latinórios e com as proposições mirabolantes, cheias de hipérboles e termos burilados. Cuidado também com as teses e terminologias adulterinas, todas elas propõem objetivos que não estão devidamente explícitos e conduzirão, inevitavelmente erro. Observem ainda que nenhum dos atores, que estão nesse momento, sob a luz dos refletores, todos eles envolvidos numa refrega insana para a definição do que virá a ser essa "defesa da democracia" contam com a simpatia popular. Curiosamente e até sintomaticamente, nenhum instituto de pesquisa de opinião teve a ideia ou se deu ao trabalho de consultar a população sobre toda essa discurseira nos altos escalões da República. Talvez já conheçam ou suspeitem que essas consultas trarão resultados que apontarão majoritariamente contrários a toda e qualquer intervenção de última hora em nossa Carta Maior.

O público, nessa República de privilegiados, está posto à margem sobre tão importante discussão. No fundo, todos esses reformistas sabem, muito bem, que ninguém nesse país, em posse de suas faculdades mentais, deseja submeter ou alterar o que quer que seja nos conceitos de democracia, já existentes e listados na atual Constituição. Defender a democracia é, nesse momento, defendê-la daqueles que querem alterá-las em benefício próprio. O resto é conversa.

 


Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Ícone do whatsapp
Ícone do telegram

Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores pelo e-mail sredat.df@dabr.com.br

-->