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pobreza

Artigo: A secular desigualdade social

 05/07/2022 Crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press. Brasil. Brasilia - DF -  Bolsões de pobreza nos arredores de Brasília. Cidade Estrutural, Vila Santa Luzia.  -  (crédito:  Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
05/07/2022 Crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press. Brasil. Brasilia - DF - Bolsões de pobreza nos arredores de Brasília. Cidade Estrutural, Vila Santa Luzia. - (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
postado em 13/05/2023 06:00

Pré-modernista, Os Sertões, de Euclides da Cunha (LPM), talvez seja a primeira grande reportagem sobre a iniquidade social no Brasil. Segunda parte do livro, "O homem" descreve o sertanejo como fruto da miscigenação e da adaptação ao meio, ao mesmo tempo em que mostra a gênese do jagunço, que viria a protagonizar a Guerra de Canudos (1896-1897), sob a liderança do messiânico Antônio Conselheiro. Com base em teorias naturalistas falsamente científicas, que o levaram a conclusões racistas, Euclides da Cunha fez uma distinção preconceituosa entre o caboclo sertanejo e os mestiços do litoral do Norte. Segundo ele, "o sertanejo é, antes de tudo, um forte", não teria o "raquitismo exaustivo dos mestiços neurastênicos do litoral".

Mais de um século depois, porém, as teorias higienistas foram rechaçadas, mas permanece a mesma iniquidade social, principalmente nos grandes centros urbanos, onde o racismo estrutural é um instrumento de manutenção dos mesmos preconceitos e das mesmas desigualdades em relação a Canudos. Por ironia, a primeira favela do Rio de Janeiro ganhou esse nome dos soldados que lutaram no sertão da Bahia. E a violência típica dos jagunços derivou para as nossas cidades, sobretudo nos morros e nas periferias, territórios onde é traduzida pelo banditismo de traficantes e milicianos.

Essa é a face mais perversa das desigualdades no Brasil. Mas existe outras. Há pessoas que não têm condições para comer o mínimo necessário. Muitos passam fome, decorrendo daí quadros de desnutrição e muitos casos de mortalidade infantil. A falta de esgoto sanitário e distribuição de água tratada ainda faz parte do cotidiano de milhões de brasileiros. O acesso às escolas públicas é destinado aos pobres, que arcam com as consequências da má qualidade do ensino, da baixa remuneração e valorização de professores e da precariedade de suas condições materiais.

Os cursos de aperfeiçoamento, bem como as experiências no exterior, são privilégios das elites do país. Raramente os estudantes pobres têm a oportunidade aprender uma segunda língua. As deficiências de formação repercutem no acesso ao emprego, porque as melhores vagas de trabalho acabam ocupadas pelos que estão mais acima na hierarquia social. A menor remuneração também aprofunda o fosso de segregação social.

Situação semelhante ocorre na saúde, apesar dos esforços do SUS, cuja importância foi demonstrada cabalmente durante a pandemia de covid-19. A falta de material e medicamentos, a baixa remuneração dos profissionais de saúde e a redução progressiva das coberturas vacinais, nos últimos anos, estão facilitando a volta de endemias que haviam sido erradicadas e impactam a taxa de mortalidade, que poderia ser bem menor. Os meios de transporte também fazem a diferença na vida das pessoas, pois o transporte público é caro e muitas vezes precário. Soma-se a isso o déficit habitacional, que obriga as pessoas morarem em habitações precárias. Há 40 mil moradores de rua em São Paulo, a cidade mais rica do país.

Não é à toa, a concentração da renda no Brasil continua sendo uma das mais altas do mundo, segundo o World Inequality Lab (Laboratório das Desigualdades Mundiais), que integra a Escola de Economia de Paris. A renda média nacional da população adulta, em termos de paridade de poder de compra (PPP, na sigla em inglês), é de 14 mil euros, o equivalente a R$ 43,7 mil, nos cálculos dos autores do estudo. Os 10% mais ricos no Brasil, com renda de 81,9 mil euros (R$ 253,9 mil em PPP), em 2011, representam 58,6% da renda total do país. Em contrapartida, a metade da população brasileira mais pobre só ganha 10% do total da renda nacional. Na prática, isso significa que os 50% mais pobres ganham 29 vezes menos do que recebem os 10% mais ricos no Brasil. Na França, essa proporção é de apenas 7 vezes.

 


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