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Mulheres

Artigo: É hora de mulheres falarem da paz

Mais de 74% das mulheres já sofreram assédio ou preconceito no trabalho -  (crédito: Freepik)
Mais de 74% das mulheres já sofreram assédio ou preconceito no trabalho - (crédito: Freepik)
postado em 09/05/2023 06:00 / atualizado em 09/05/2023 13:33

Maria Laura da Rocha - Embaixadora, é secretária-geral das Relações Exteriores

O cenário de conflitos armados que se estendem ou se repetem sem que a comunidade internacional seja capaz de solucioná-los revela o esgotamento dos mecanismos disponíveis a um Conselho de Segurança das Nações Unidas anacrônico, cuja reforma é premente. Já na criação da ONU, uma questão crucial preocupava uma brasileira ilustre, a doutora Bertha Lutz, precursora da luta pelo sufrágio feminino no Brasil: a perspectiva das mulheres sobre a paz.

Em 1945, a cientista brasileira, uma de apenas seis mulheres entre os delegados plenipotenciários que foram à Conferência de São Francisco, estava convencida de que o objetivo de evitar a repetição de um conflito global com desfecho nuclear não poderia ser atingido sem a colaboração das mulheres. Por meio de sua atuação, o Brasil lançou sementes da agenda de mulheres, paz e segurança — que frutificaria meio século mais tarde.

A agenda, inaugurada no ano 2000, foi delineada por um conjunto de 11 resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas que visa a promover a participação plena, igualitária e significativa das mulheres na prevenção e solução de conflitos, bem como na construção e consolidação da paz. Não surgiu da iniciativa de países ricos, nem de membros permanentes do Conselho de Segurança. Resultou de décadas de articulação de mulheres que demandavam participação nas decisões sobre as guerras. Com efeito, cinco das resoluções que a compõem foram propostas por países em desenvolvimento: Namíbia, que apresentou a primeira delas (resolução 1325), Vietnã, Azerbaijão, África do Sul e Indonésia.

Nesses 23 anos, os avanços foram significativos. A agenda logrou introduzir o tema de gênero no cotidiano do Conselho de Segurança. Divulgou dados contundentes sobre o impacto positivo da participação de mulheres na durabilidade de acordos de paz. Possibilitou a identificação da violência sexual como tática de guerra inaceitável e crime contra a humanidade. Sensibilizou para as necessidades de mulheres refugiadas e ex-combatentes, entre outras. Conscientizou, enfim, sobre a igualdade de gênero como fator de estabilidade nos países.

Em anos recentes, a inclusão de mulheres uniformizadas em missões de paz ganhou protagonismo em iniciativas promovidas pela ONU. Embora os ganhos na proteção de civis e na coleta de informações sejam inegáveis, a presença numérica está aquém da ambição transformadora da agenda, que viria da participação feminina nas instâncias decisórias de política externa e de defesa de seus países. É preciso e possível ir além.

Para o Brasil, que se inclui entre os mais de 100 países que elaboraram planos nacionais de implementação da agenda, o momento é propício à reflexão sobre os próximos passos. Com base nas lições aprendidas com o primeiro plano nacional de ação, que foi lançado em 2017 e expirou em março último, é hora de formular novas estratégias nacionais em matéria de mulheres, paz e segurança. Para dar início a esse debate, o Itamaraty e a Fundação Alexandre de Gusmão promoveram, em 25 de abril, em Brasília, o seminário Agenda de Mulheres, Paz e Segurança: renovação do compromisso brasileiro.

A elaboração de novo plano insere-se na reafirmação do compromisso brasileiro com a agenda. Somos um país pacífico, sem disputas territoriais desde o século XIX. Temos um enorme contingente de mulheres que constroem a paz todos os dias: parlamentares, integrantes do Judiciário, diplomatas, mediadoras, líderes comunitárias, defensoras de direitos humanos e do meio ambiente, peacekeepers civis, militares e policiais. Apesar de possuirmos recursos limitados para ajudar na construção da paz em terceiros países, historicamente mantivemos contribuição às missões de paz e aplicamos perspectiva de gênero na cooperação oferecida a países em conflito ou egressos de conflitos armados.

Por sua tradição diplomática ancorada na solução pacífica de controvérsias, o país detém credenciais na matéria e está em condições ideais de elaborar um plano de ação que beneficie não só mulheres em solo nacional, mas também a necessária reforma da governança multilateral da paz e da segurança. Para tanto, serão valiosos os insumos da sociedade civil, a colaboração com os órgãos parceiros e o apoio de lideranças políticas.

Em outubro, mês em que o Brasil reassumirá a presidência rotativa do Conselho, presidiremos, pela primeira vez, o debate sobre o tema. Esperamos aproveitar essa valiosa oportunidade para apresentar nossa contribuição mediante novo plano de ação, com incorporação da visão das mulheres na consecução da segurança e na concepção de sistemas mais eficientes de manutenção e consolidação da paz.

 


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