Por ANDRÉ GUSTAVO STUMPF - Jornalista (andregustavo10@terra.com.br)
Entre todos os vizinhos do Brasil, a Argentina é de longe o mais inquieto, imprevisível e disposto a enormes sacrifícios que, no mais das vezes, resultam em absoluta inutilidade. Na década de setenta do século passado, os governos do Brasil e do Paraguai decidiram construir a hidrelétrica de Itaipu por meio de uma empresa binacional. O lado brasileiro contribuiu com a engenharia, com a responsabilidade de conseguir recursos (bancos ingleses financiaram a obra) e os paraguaios entraram com a água. O governo de Assunção assinou acordo semelhante com os argentinos para construir a hidrelétrica de Yaceretá, que é próxima a Itaipu.
Os argentinos ameaçavam, na época, construir também uma enorme hidrelétrica chamada Corpus. A altura da barragem de Itaipu poderia interferir na chamada cota de Corpus, ou seja, na altura dessa outra barragem, que estava nos planos de Buenos Aires. A disputa entre as diplomacias foi intensa. No final, apareceu claro que os argentinos apenas utilizavam o argumento da possível construção de outra hidrelétrica para perturbar o projeto brasileiro. E insistiam no que chamavam de ameaça da bomba hídrica. Seria o seguinte: se o governo brasileiro desejasse, poderia abrir as comportas de Itaipu para que as águas daquela barragem invadissem todas as terras a jusante da hidrelétrica, terminando por colocar Buenos Aires debaixo da água.
Os militares argentinos tomaram o poder no país. As liberdades desapareceram. Os prisioneiros políticos eram mortos às dúzias e seus corpos jogados no Rio da Prata. Situação muito tensa. O país vivia uma de suas fases de autoritarismo. Os militares argentinos ameaçaram entrar em guerra com o Chile por causa do canal de Beagle, no extremo sul do continente. Os chilenos construíram no local uma base militar voltada para o Oceano Atlântico. As duas partes concordaram em colocar a decisão nas mãos do papa, que decidiu a favor dos chilenos.
Na época, os diplomatas lidavam com uma Argentina extremamente violenta e disposta a recorrer à guerra sem maiores hesitações. Chegou até a desenvolver um programa nuclear para criar uma bomba atômica semelhante à utilizada pelos norte-americanos em Hiroshima. O Brasil respondeu com seu projeto nuclear da Marinha. Os presidentes Alfonsin e Sarney tiveram o bom senso de acabar com a loucura nuclear nos dois lados da fronteira quando criaram o Mercosul.
Essas duas guerras ficaram apenas no território das ameaças. Mas o general Galtieri, chegado a uns goles, decidiu fazer a guerra com os ingleses e mandou suas tropas invadir as ilhas Malvinas. Os ingleses estão lá há dois séculos e não dão sinais de que desejam sair. Os argentinos levaram uma surra, morreram cerca de 600 soldados conscritos que não sabiam direito por que estavam lutando. Os britânicos retomaram a posse e estão lá até hoje. Os habitantes das ilhas Malvinas têm uma das mais elevadas rendas per capita do mundo. Tudo é subsidiado pela coroa inglesa. Os militares argentinos caíram do poder. Alguns morreram na prisão. E até hoje não recuperaram o prestígio político.
Essa é uma face da Argentina. A outra é um país de longas planícies, dos maiores produtores de carne e grãos do mundo, com boas reservas de petróleo e gás. O de Vaca Muerta é enorme e pode abastecer o sul do Brasil por longo período. Acontece que o governo de Buenos Aires não tem recursos. As reservas em moedas fortes estão abaixo de US$ 5 bilhões. A população de origem europeia, alfabetizada, que construiu um belo país no sul da América do Sul, já não consegue se contrapor aos excessos do populismo peronista, que tratou de sugar o Estado argentino até o impossível. Um dólar é igual a 500 pesos. Inflação anual de 104% e taxa básica de juros de 91%. A Argentina faliu.
O presidente Alberto Fernández, com seu bigode de cantor de tango, veio ao Brasil em busca do dinheiro que falta em Buenos Aires. Mais uma dor de cabeça para o ministro Fernando Haddad. Os argentinos querem agora negociar com o Brasil sem utilizar dólares. Fazer negociações em reais. Mas precisarão oferecer bens em garantia. O Brasil já levou calote da Venezuela, de Cuba, de Angola e de Moçambique. Pode ser que os argentinos indiquem um caminho sério para fazer negócio.
No entanto, eles não desfrutam de bom prestígio no FMI, tanto que o presidente vem a Brasília pedir ajuda de Lula para negociar seus enormes débitos. A esquerda latino-americana continua com dificuldade para fazer as quatro operações. Empréstimos em qualquer moeda devem ser pagos dentro do prazo acordado. Os técnicos do FMI têm certeza de que os argentinos enxergam os prazos para pagamento de maneira bem elástica. Eles não gostam de ser constrangidos a quitar seus débitos.
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