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Artigo: Vai, Corinthians

Corinthians -  (crédito: Reprodução/Instagram Corinthians)
Corinthians - (crédito: Reprodução/Instagram Corinthians)
Ricardo Nogueira Viana
postado em 05/05/2023 06:00

RICARDO NOGUEIRA VIANA - Delegado chefe da 6ª DP e professor de educação física

Com uma consagrada carreira como técnico de futebol, Alex Stival, mais conhecido como Cuca, disse adeus ao Corinthians no último dia 26, apenas duas semanas após sua contratação. O treinador traz em seu currículo todos os principais títulos conquistados em âmbito nacional e, em 2013, sagrou-se campeão da Libertadores pelo Atlético Mineiro. Apesar do retrospecto vitorioso nos gramados, o passado mostrou-se indelével ao treinador, condenado por estupro em 1989 quando atuava como jogador pelo Grêmio. A torcida e o elenco feminino do Timão — clube que fundou e protagonizou movimentos emancipatórios dentro e fora dos gramados que serviram de alicerce à construção de um Brasil mais justo e solidário — chancelaram o fim do vínculo entre o treinador e o clube.

À época do crime, o jovem Cuca e outros três jogadores do time gaúcho foram detidos, processados e condenados por terem estuprado uma adolescente de 13 anos quando excursionavam pela Suíça. A condenação de 15 meses não foi cumprida, tampouco esquecida. Cuca passou por vários times e, enquanto vencia, edificou-se uma narrativa paralela, uma espécie de cortina de fumaça do tipo em time que está ganhando não se mexe.

Cuca assumiu o Corinthians, um time nada convencional que deu origem à Democracia Corintiana, movimento criado nos anos 80 sob a égide de Sócrates, Casagrande, Wladimir e Zenon, em que as decisões do clube eram debatidas em conjunto, através de votação entre os seus membros, incluindo funcionários, jogadores, técnico e diretoria. A articulação do movimento inspirou outras gerações e o clube atuou como expoente na proteção dos direitos civis. Em 8 de março de 2018, Dia da Mulher, o Corinthians lançou o movimento Respeita as Minas.

O projeto seguiu nos anos seguintes e teve como fim oferecer cursos, palestras e meia- entrada nos jogos do time ao público feminino. Na última temporada, um dos uniformes da equipe estampava o slogan. Em novembro do ano passado, após o resultado das eleições, foi a Gaviões da Fiel que desbloqueou ruas em São Paulo ocupadas por caminhoneiros que contestavam o processo eleitoral. Mais uma vez, o timão se posicionou contra o autoritarismo.

Com uma torcida composta por 53% de mulheres, o resultado do empoderamento estruturado pelo próprio clube não poderia ser diferente e o movimento ecoou no futebol feminino, que também se pronunciou pela saída do profissional. Mas há de questionar: não seria tempo de esquecer o que ocorreu décadas atrás? Passados 26 anos do fato criminoso, Cuca cresceu como pessoa — pelo que parece, formou família, ganhou título e fez fortuna. Não estaria ele ressocializado?

Não há que se falar em ressocialização se a sanção não foi cumprida. Por questões jurídicas, Cuca não pagou pelo que fez, posto ter sido condenado e não ter cumprido os 15 meses estipulados pela Justiça suíça. Ele transitou livremente entre torcedores, jogadores e chegou a ser cogitado para dirigir a Seleção Brasileira. A sanção penal é retributiva e preventiva, ou seja, cabe ao condenado pagar pelo mal que fez, a fim de que sirva de exemplo aos nossos pares, para que a sua conduta criminosa não se reproduza.

O crime em questão, que tinha como sujeito passivo uma vulnerável de apenas 13 anos, foi repugnante e hediondo. Segundo as investigações, a adolescente se dirigiu ao quarto dos jogadores, e os atletas a puxaram para o ambiente. Além da covardia devido à imaturidade da vítima, houve na conduta dos autores do crime o ardil de terem se aproveitado do fascínio que o futebol brasileiro exercia diante da população daquele país.

Cuca escapou da esfera penal, mas chafurdou no âmbito da moral. Sua trajetória teve a leniência de todos nós, amantes do futebol. Palmeiras, Santos, Botafogo, São Paulo, Fluminense, Flamengo e Atlético se calaram ao passado do guia. Mais uma vez, o timão de Sócrates — o Magrão, e agora de Thamires, lateral que faz parte do elenco que mais ganhou títulos pelo campeonato brasileiro feminino, dá exemplos de um time de vanguarda, sustentável, alinhado às necessidades do seu tempo.

Errou na contratação, mas corrigiu o equívoco dando voz ao seu público, principalmente ao feminino. Longe de se firmar um processo de execração de um profissional, mas de assumir uma postura coerente de proteção às mulheres, garantindo-lhes os lugares de fala com o intuito de estruturar e sedimentar os pilares da democracia corintiana. Quanto às minas, respeito!

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