ANDRÉ GUSTAVO STUMPF - Jornalista (andregustavo10@terra.com.br)
As principais realizações do presidente Lula, até o momento, se limitam às viagens internacionais. No mais, planos, projetos, idealizações e reuniões. Nada de concreto. Além disso, ele retornou ao Palácio do Planalto, no seu terceiro mandato, com muita garra para refazer as relações internacionais e acalentar o sonho de ser o principal eixo em torno do qual deve girar o processo de paz na guerra da Ucrânia. No alto de suas ambições secretas, alguém deve ter lhe soprado que o Prêmio Nobel da Paz não está longe de suas possibilidades.
A pressa e a gana com que se atirou ao ambiente diplomático explicam os excessos nos discursos, nas colocações apressadas e nos erros de citação, quando o improviso não consegue se basear em fatos. Assim, ele disse que a ONU só conseguiu criar o Estado de Israel e não trabalhou em favor dos palestinos. A decisão de 1948 foi criar os dois Estados, o judeu e o muçulmano. Erro perdoável, embora perfeitamente dispensável porque o presidente brasileiro tem várias prioridades antes de se envolver na complicadíssima questão da convivência pacífica entre fundamentalistas no Oriente Médio.
Outro exemplo é a complicada posição por ele assumida em relação à guerra da Ucrânia. O presidente brasileiro começou a discutir o assunto como se estivesse numa rodada de cerveja em algum botequim de São Paulo. Lula enfileirou argumentos rasos sem perceber que criava séria oposição a ele mesmo em organismos internacionais.
Serguei Lavrov, ministro de Relações Exteriores da Rússia, uma águia que está há mais de uma década na função, aproveitou a brecha, veio a Brasília, se reuniu com o seu equivalente brasileiro e fez uma visita de cortesia ao presidente Lula no Palácio da Alvorada. Depois disse aos jornalistas que Brasil e Rússia têm visões semelhantes em relação à guerra da Ucrânia.
Pronto. Lula arranjou uma guerra particular. Ele foi a Portugal e Espanha ouvir que os dirigentes daqueles dois países estão fechados com a Otan, consideram Putin o invasor, e os ucranianos agredidos. Não há meio-termo. O brasileiro teve que conviver com vaias no Parlamento português e manifestações contrárias nas ruas. Pior: os governos europeus e o dos Estados Unidos chegaram a afirmar, em nota oficial, que o Lula papagueava a posição da Rússia. Palavras pesadas para a linguagem diplomática.
É importante perceber que Lula foi a Portugal e Espanha, mas não estendeu seu périplo à França e à Alemanha. Os governos desses países são os mais arredios em relação à criação da área de livre comércio entre União Europeia e Mercosul. A finalização desse acordo pode ser a principal obra da administração Lula. Ele cria uma área de livre comércio em 28 países europeus e quatro sul-americanos, o que resulta em mercado de US$ 20 trilhões, ou 25% da economia mundial. O acordo foi concluído em junho de 2019, mas os europeus apresentaram posteriormente outras ponderações e exigências. Resultado: todos retornaram às negociações.
O objetivo do governo brasileiro é anunciar o acordo durante o encontro entre a União Europeia e a Comunidade dos Estados da América Latina e Caribe (Celac), prevista para 17 e 18 de julho em Bruxelas, na Bélgica. É difícil, mas não impossível. Mas o presidente Lula já avançou em entrevista ao jornal El País que "vamos propor mudanças ao texto do acordo. Como está é impossível aceitar". Outro desabafo desnecessário, depois de tantas declarações nebulosas sobre a guerra na Ucrânia. Suas opiniões sobre o conflito, aliás, dificultaram ainda mais a conclusão do acordo.
O problema é que os europeus não confiam nas promessas brasileiras de reduzir o desmatamento na Amazônia. E tentam impor inclusive alguns tipos de punição quando os objetivos não forem atendidos. Os latinos não aceitam a conexão entre o comércio de bens e a o problema ambiental. Os europeus, por sua vez, se preparam para exigir certificação de procedência de carnes, de madeiras e de outros bens. O acordo estacionou porque o governo Bolsonaro não tinha o respeito dos europeus. Lula, ao contrário, é conhecido em toda a Europa, mas seus discursos nesta fase internacionalista estão desmanchando o bom prestígio anterior.
O acordo da União Europeia com o Mercosul contém todos os ingredientes para se transformar na obra maior do governo Lula, se for concluído. Trata-se do mercado de 750 milhões de habitantes. Na questão da Ucrânia, um telefonema de Xi Jinping a Volodymyr Zelensky abriu o caminho para possíveis negociações de paz. Quem tem a chave do sucesso nesse assunto é o chinês, que colocou a Rússia debaixo do braço. Lula precisa ajustar o foco de seu governo.
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