CARLO CAUTI - Professor de Relações Internacionais no Ibmec SP
Em 4 de abril, pela primeira vez na história dos Estados Unidos, um ex-presidente foi "preso" em obediência a uma intimação judicial. O evento, conforme as previsões, se resolveu em uma série de rápidas formalidades: leitura das acusações, coleta de impressões digitais e foto de identificação, assinatura de documentos e, finalmente, soltura. Sem pagar fiança. Isso porque os crimes de que Donald Trump é acusado não envolvem pena detentiva. Portanto, aquele evento espetacular que a palavra prisão parece evocar não ocorreu. Mesmo assim, marcou a história dos EUA. A regra não escrita, segundo a qual os ex-presidentes são deixados em paz após o fim do mandato, mesmo que sejam considerados canalhas, foi violada.
Até mesmo Richard Nixon, protagonista do escândalo Watergate em 1974, recebeu o indulto presidencial do sucessor, Gerald Ford, que lhe garantiu uma aposentadoria sem consequências judiciais. Pode parecer injusto, mas também é um ingrediente da convivência política. Aparentemente, o indiciamento de Donald Trump é um sucesso da democracia americana. Mostra que ninguém está acima da lei, nem mesmo um ex-presidente e potencial candidato à reeleição. Desse ponto de vista, poderíamos classificar o evento como um sinal de que os Estados Unidos possuem instituições sólidas e em excelente estado de saúde. No entanto, a alegria dura pouco. Em primeiro lugar, das muitas investigações judiciais contra Trump, aquela pela qual ele seria preso é a mais estúpida.
A história do dinheiro pago para uma atriz pornô para que não falasse sobre seu relacionamento com o bilionário durante a campanha eleitoral de 2016 é grotesca, mas não é um crime. Os supostos delitos são questões menores. E, diga-se de passagem, francamente há investigações mais sérias contra Trump: a incitação sediciosa das manifestações do dia 6 de janeiro de 2021 que precedeu o assalto ao Capitólio; as tentativas de derrubar a contagem de votos em um estado; a hipótese de falsidade contábil e fraude fiscal por parte de suas empresas. Muitos juristas conceituados, mesmo de esquerda, classificam a investigação do caso de Stormy Daniels uma bravata. Considerando também a personalidade pouco crível do acusador, o promotor Alvin Bragg. Existe o risco concreto de que todo esse circo acabe em um retumbante nada.
O que seria um desastre para a Justiça, para a política e para as instituições da mais importante democracia do mundo. Vale lembrar que duas tentativas de impeachment contra Trump já fracassaram. Outras alegações, como a de ter roubado documentos ultrassecretos da Casa Branca, esvaziaram-se diante da descoberta de que Joe Biden fez exatamente a mesma coisa. A opinião pública começa a ter a impressão de que está em andamento uma perseguição judicial contra Trump baseada em evidências espúrias e ativismo judicial.
Bragg é um promotor político, no sentido literal. Seu cargo é eletivo e ele é membro do Partido Democrata. Não apenas um filiado qualquer. O magistrado é conhecido por suas posições de extrema esquerda, por meio das quais já libertou muitos criminosos presos pela polícia por considerá-los vítimas de um sistema social injusto (principalmente se forem negros). O radicalismo é tamanho que outro democrata negro como ele, o prefeito de Nova York, Eric Adams, considera Bragg um desastre para a cidade. Isso deslegitima ainda mais sua atuação.
Para Trump essa situação é um presente inesperado. Ele se faz de mártir pois acha que essa é a melhor maneira de superar todos os rivais republicanos na corrida pela candidatura. Seu cálculo é realista. A investigação de Bragg é altamente controversa (mesmo entre os democratas) e é óbvio que os outros republicanos terão que se unir para defender Trump. Mesmo se eles preferissem atacá-lo e enfraquecê-lo de olho nas primárias.
Bragg tenta se tornar um vigilante nacional, enquanto não consegue administrar a justiça na própria cidade. Uma peça do Partido Democrata o apoia por motivos de cínico portunismo: se Bragg tiver sucesso, sua investigação vai ajudar Trump a ganhar a candidatura republicana, será mais fácil para Biden ou outro democrata ser reeleito em 2024. Táticas de curto prazo que, independentemente do êxito, estão minando as bases da dialética política em Washington. Um péssimo sinal do estado de saúde da democracia americana.