desigualdades

Artigo: Trabalho escravo no Brasil: vigiar é necessário

BOB MACHADO - Presidente do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais do Trabalho (Sinait)

Em um país com dimensões continentais e desigualdades abissais como o Brasil, vigiar é uma necessidade, principalmente quando a realidade insiste em expor os mais vulneráveis a pessoas e empresas que colocam o lucro acima de qualquer valor ético e moral. Desde a criação do Grupo Especial de Fiscalização Móvel (Gefm) em 1995, os auditores-fiscais do trabalho resgataram mais de 60 mil pessoas em situação de trabalho escravo.

Criminosos — e não há outro nome para quem pratica trabalho escravo e desrespeita os direitos mais básicos do ser humano — precisam entender que essas violações não cabem mais no Brasil do século 21. Não é possível saber a quantidade de pessoas e empresas que praticam esse crime no país, ou quantos trabalhadores estão em situação de violação de direitos, mas é possível verificar o volume de atividade dos auditores e como os resultados têm crescido, mesmo com o quadro de pessoal e estrutura se reduzindo gradualmente ao longo dos anos.

Apesar da falta de estrutura e dos cortes orçamentários, os resultados da fiscalização são expressivos. Apenas entre 2018 e 2022, apesar dos desafios impostos pela pandemia de Covid-19, foram resgatados mais de 8 mil trabalhadores em situação de trabalho escravo.

Os números, infelizmente, não param por aí e alcançam também as nossas crianças e adolescentes — a terrível e persistente chaga do trabalho infantil. Somente no ano passado, 2,3 mil foram encontradas em situação de trabalho e pouco mais de 1 mil nas piores formas de trabalho infantil — as que comprometem gravemente o desenvolvimento físico ou moral da pessoa em desenvolvimento.

Na linha de frente contra o trabalho escravo, a exploração do trabalho infantil e outras violações e irregularidades trabalhistas, os auditores-fiscais do trabalho têm enfrentado pressões, ameaças e sobrecarga de trabalho. Dos 3,6 mil cargos disponíveis na carreira, pouco mais de 1,8 mil estão ocupados — um deficit de quase 50% e o menor contingente dos últimos 30 anos.

Para enfrentar esse quadro, além de medidas estruturais profundas no sentido de uma sociedade mais justa e igualitária, é imprescindível ampliar o quadro de pessoal da Inspeção do Trabalho pela realização de concursos públicos regulares, além de valorizar e proteger esses servidores.

Quem resgatou e resgata essas pessoas em situação de vulnerabilidade é o auditor-fiscal do trabalho. Quem se expõe a riscos físicos e psicológicos no exercício do trabalho com vistas à construção de uma sociedade mais justa e igualitária é o auditor-fiscal do trabalho. E esse servidor público, no sentido mais denso da expressão, é quem também por vezes sofre violências absurdas e inaceitáveis, culminando com a perda da própria vida, como nos alerta o emblemático caso da Chacina de Unaí, ocorrido há quase 20 anos.

Em um momento em que a defesa dos direitos dos trabalhadores e a promoção do trabalho digno são temas prioritários na agenda nacional e internacional, é fundamental que o governo reconheça a importância dos auditores-fiscais do trabalho. O servidor público também precisa de condições dignas de trabalho para executar uma tarefa tão sensível e, ao mesmo tempo, tão relevante para o desenvolvimento da sociedade brasileira.

O Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait) defende que o governo tome a categoria como prioritária na agenda de recomposição de cargos e salários. Os dados da fiscalização do trabalho são eloquentes: o Brasil ainda precisa avançar muito na direção de um bem-estar maior e generalizado para a população. Os auditores-fiscais do trabalho ajudam o país a percorrer esse caminho e são a linha de defesa mais importante contra retrocessos e barbaridades que ainda são cometidas todos os dias na cidade e no campo deste continente chamado Brasil.

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