EDITORIAL

Visão do Correio: Tecnologia e novos empregos

Símbolo do trabalho formal e do emprego seguro, a Carteira de Trabalho e Previdência Social física está sucumbindo à tecnologia, seja pela versão digital do documento que existe desde 2019, seja pelo enorme número de trabalhadores hoje na informalidade. Em 2022, 38,8 milhões de brasileiros trabalhavam na informalidade, número que caiu para 38,2 milhões, no trimestre encerrado em fevereiro deste ano. São 13 milhões trabalhando sem carteira assinada e outros 25,2 milhões exercendo alguma atividade por conta própria.

Em relação à força de trabalho, da ordem de 107,3 milhões de brasileiros, os informais representam cerca de 45%, percentual que cai para 38,9% considerando-se a população ocupada. Ainda assim, é um número alto de trabalhadores que exercem atividades sem os direitos garantidos aos empregados com carteira assinada. Esse quadro leva o Brasil a ter duas categorias de trabalhadores, o que é um complicador para o sistema de Previdência Social, suportado pela contribuição dos que trabalham formalmente.

A carteira de trabalho digital já está nas mãos, ou nos celulares e computadores, de 51,1 milhões de brasileiros. Mas essa é uma transformação tecnológica amigável. A chegada de novas tecnologias associadas ao uso da inteligência artificial pode ser um agravante ainda maior para a precária estrutura do mercado de trabalho brasileiro, no qual as oportunidades que surgem são insuficientes para reduzir o contingente de desempregados.

Hoje, a tecnologia funciona como uma válvula para evitar a explosão do desemprego, com os aplicativos de serviços sendo o escoadouro de uma legião de trabalhadores. Mas pelo avanço tecnológico serão exatamente essas vagas que podem vir a ser ameaçadas por meios autônomos de transporte e de entrega. E isso não se limita ao público, mas também em relação à movimentação de carga em portos, aeroportos e empresas com armazenamento de produtos.

Não é algo que acontecerá amanhã ou depois, mas com o tempo vai acontecer e o Brasil precisa se preparar para formar e treinar trabalhadores capacitados a lidar com essas novas tecnologias e as possibilidades que elas abrirão. Para se ter uma noção do tempo, basta lembrar que em menos de 30 anos o Brasil saiu de um celular mais parecido com um rádio comunicador para smartphones com funções de computador. É esse tempo que o país não pode desperdiçar.

E a preparação para as mudanças se torna mais urgente ainda ao se observar o perfil do desemprego no Brasil. No ano passado, com o país fechando a taxa de desocupação em 9,3%, entre os trabalhadores nessa condição a maioria é de pessoas entre 25 e 39 anos (34,8%) e entre 18 e 24 anos (29,7%). Juntos, os brasileiros entre 18 e 39 anos, idade produtiva, somam 64,5% dos cerca de 9 milhões de trabalhadores sem emprego no país. São jovens que deveriam estar ocupados e, uma vez que não estão, têm condições de serem preparados para ocupar as vagas que surgirem. Mesmo em tempos de desemprego alto é comum ouvir empresas buscando trabalhadores e tendo dificuldades por causa da falta de qualificação adequada.

Efetivamente o governo precisa estimular os investimentos em projetos de infraestrutura para acelerar a abertura de postos de trabalho, mas é preciso também observar as necessidades de qualificação dos trabalhadores brasileiros diante dos desafios tecnológicos que se apresentam no horizonte. A dimensão do impacto das novas tecnologias ainda é estimado. Estudos apontam que ela pode afetar até 70% das atividades nos países emergentes e em desenvolvimento. Independentemente da exatidão dessas estimativas, o governo e também os sindicatos não podem se dar o luxo de esperar que as mudanças ocorram para reagir.

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