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Opinião

Artigo: Iniciativas tributárias de estados geram cenário caótico para setor produtivo

O plenário virtual do Supremo Tribunal Federal (STF) deu início, no dia 14, a um julgamento que é simbólico e acende uma luz de alerta para todo o setor exportador do país, entre os quais, o agronegócio e a mineração

RAUL JUNGMAN — Diretor-presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram)

As companhias exportadoras e, consequentemente, as exportações geradoras de divisas ao país passam por (mais) um momento de alto risco. O plenário virtual do Supremo Tribunal Federal (STF) deu início, no dia 14, a um julgamento que é simbólico e acende uma luz de alerta para todo o setor exportador do país, entre os quais, o agronegócio e a mineração.

É mais um componente de insegurança jurídica, de imprevisibilidade para planejar investimentos, implantação de projetos, negócios e expansão de plantas de produção, bem como rotas de comércio exterior.

Investidores e empresários assistem abismados a mais uma tentativa de um governo estadual saciar sua sanha arrecadatória por meio do avanço especulatório sobre as receitas de empresas geradoras de renda, empregos e tributos sem se preocupar que, nessa trajetória, desconsidera o que determina uma lei federal, no caso, a Lei Kandir. Ela isenta as operações de exportação da cobrança do imposto estadual ICMS.

Em dezembro, o governo de Goiás publicou a Lei Estadual nº 21.671/2022 e o Decreto regulamentador nº 10.187. A lei cria normas de regulação sobre produtos a serem exportados. Na prática, elimina a imunidade tributária do ICMS sobre as exportações, principalmente, do agronegócio e de minérios. Em um de seus trechos, ela estabelece o que pode ser interpretado como uma chantagem. Ela autoriza o Executivo goiano a cobrar o ICMS, ainda que a operação seja imune, restando ao empresário obter a sua restituição caso comprove a exportação. A opção é ele decidir pelo pagamento de uma contribuição a ser destinada a um fundo para fomentar projetos de infraestrutura no estado.

Trata-se de uma afronta direta ao ordenamento jurídico. É inconstitucional. Mas seu efeito mais devastador pode surgir se o STF considerar tal iniciativa válida e digna de ser copiada por outros estados, o que alimentaria um imenso caos tributário, assombrando e impactando os mais diversos setores, não apenas a mineração. O setor mineral estima que o impacto da lei de Goiás, considerando a produção de ferroligas, cobre e ouro, significa cerca de R$ 160 milhões por ano. Em mercados internacionais de alta concorrência, em que centavos de dólar influenciam o fechamento de contratos de comércio exterior, esse é um impacto nocivo à economia. É preciso levar em conta ainda que, segundo a consultoria EY, considerando uma cesta com 10 minérios, o Brasil é o 1º em carga mais elevada para oito minérios e 2º para dois deles.

Para arguir a inconstitucionalidade da medida, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) ingressou com ação no STF e conseguiu liminar com efeito suspensivo por decisão do ministro Dias Toffoli. Em agosto, o STF considerou constitucional a cobrança de taxas estaduais de fiscalização sobre atividades de mineração — conhecidas pela sigla TFRM — criadas por Minas Gerais, Pará e Amapá. Antes disso, a CNI e o Instituto Brasileiro de Mineração alertavam que cabe à União legislar sobre o setor mineral e que validar a TFRM iria provocar uma avalanche de taxas estaduais e municipais, provocando sérios danos à competitividade da indústria da mineração. Desde então, mais estados e também municípios concretizam a projeção: Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Tocantins, oito municípios do Pará e dois em Minas Gerais criaram suas TFRMs. Já o Maranhão criou uma taxa referente a cargas transportadas sobre trilhos, o que afeta a mineração. E, agora, Goiás.

A realidade e o horizonte para o setor produtivo se resumem a uma equação sem aparente solução. A União deve estar atenta aos reflexos intensamente negativos que esse cenário vai proporcionar à atração de investimentos, às finanças públicas, ao fomento de políticas voltadas ao desenvolvimento socieconômico. A reforma tributária é o campo de jogo em que essa disputa tributária poderá ser pacificada. Por enquanto, o setor produtivo está perdendo de goleada, mas compartilhará essa perda com o país.