Educação

Artigo: Por um novo ensino médio com foco na formação de cidadãos críticos

Olavo Leopodino da Silva Filho - Diretor do Instituto de Física da Universidade de Brasília

Em 14 de dezembro de 2018, o ministro da Educação, Rossieli Soares, homologou o documento da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Buscava-se, ali, argumenta-se, uma reestruturação do ensino básico brasileiro. As razões para tal reestruturação eram inúmeras. Entre elas, havia os recorrentes maus resultados em provas internacionais, como o Piva, além da percepção quase óbvia de que os alunos egressos do ensino médio permaneciam com lacunas inaceitáveis em sua formação.

Além disso, argumentava-se que o ensino médio era por demais enciclopédico, aprofundando por demais nas mais diversas áreas do conhecimento. Ao que tudo indica, esse último argumento foi o rationale que orientou a BNCC: assumiu-se que, ao eliminar a dimensão enciclopédica vigente no ensino básico, o estudante aderiria mais aos componentes restantes da grade curricular, ao mesmo tempo que estudaria com maior afinco os itinerários formativos, escolhidos a partir das próprias inclinações intelectuais. Quanto às lacunas, esperava-se que fossem superadas pelas disciplinas remanescentes na grade curricular, que poderiam, agora, ser mais bem trabalhadas.

Faltou combinar com os russos, como se diz: professores e estudantes. O resultado que se vê, atualmente, é um conjunto considerável de atores da educação protestando veementemente contra o novo formato. O argumento usual, de que se trataria de "baderneiros que não querem estudar", não se aplica. Parece mesmo ser o oposto disso, pois o que se ouve nas passeatas desses estudantes é que a implantação, nas mais diversas escolas do Brasil, públicas ou privadas, levou à precarização do ensino, em particular das disciplinas relegadas, em grande medida, aos itinerários formativos. É preciso ouvir os estudantes e professores.

Permanecemos pecando por excesso: se antes padecíamos de um enciclopedismo formal, agora fomos lançados na UTI da superficialidade absoluta. Haveria que se perguntar se o desinteresse dos estudantes se deve ao caráter enciclopédico do ensino, ou à forma anacrônica, essencialmente expositiva, de se ensinar. Nesse último caso, as mudanças trazidas pela BNCC serão inócuas para aprofundar a adesão dos alunos às disciplinas.

Talvez a busca por reformar a maneira pela qual os professores ensinam possa trazer resultados mais profundos. As chamadas abordagens ativas para o ensino, que comprovadamente produzem maior engajamento dos estudantes em oposição à pouca efetividade do ensino meramente expositivo, o chamado ensino bancário.

Como se isso não fosse o suficiente, houve, ainda, o problema da péssima comunicação das (prováveis) intenções que motivaram mais esse rebuliço educacional. Não parece haver duas escolas diferentes no país todo com a mesma implantação do ensino médio. Escolas com menor capacidade de investimento precarizam (ainda mais) o ensino das disciplinas relegadas aos itinerários formativos; escolas mais abastadas adotam itinerários formativos que nenhuma relação guardam com a proposta original (aulas de culinária, dança de salão, para citar alguns exemplos). Muitas escolas criam itinerários formativos a partir de consultas aos alunos, sem critérios acadêmicos. O ensino de ciências foi desconstruído por essa lamentável interpretação da BNCC — nem sempre isenta, uma ve que culinária pode ser mais atrativa do que física.

Essa questão levará, se não modificada rapidamente, a desdobramentos muito graves, deletérios e profundos, na sociedade brasileira. Em particular em relação à questão do ensino das ciências, toda uma alfabetização e educação científicas serão perdidas, deixando a população em geral refém, ainda mais, das práticas negacionistas que já se insinuam com força no tecido social. No que tange às disciplinas ditas humanas, como filosofia e sociologia, mas também história e geografia, o que se vê é uma precarização da capacidade de pensar criticamente, de articular conceitos de maneira coesa, concisa e consistente. As primeiras foram praticamente escanteadas, em particular nas escolas privadas. Assim, ainda que o objetivo de melhorar a apreensão das disciplinas de matemática e português fosse alcançado, o que é discutível, obteríamos leitores incapazes de se contrapor a um texto e às suas ideias autonomamente.

Não defenderia aqui jogar toda a BNCC no lixo, substituindo-a por uma nova revolução do ensino — outra não! Mas é evidente que uma correção de rumo precisa ser feita urgentemente. O governo federal suspendeu a implantação do novo ensino médio. Não deixam de ser um alento as palavras da diretora do MEC, Cybele Amado, de que os professores, de fato, precisam de formação continuada. Já há inúmeras políticas públicas voltadas para esse fim. O curso Ciência é 10!, uma inciativa da Capes voltada para a área das ciências naturais, é um belo exemplo. Fortalecer tais iniciativas pode ser uma saída que cause menos estardalhaço, mas mais resultado, mesmo que elementos da BNCC e do novo ensino médio venham a permanecer — ou talvez principalmente nesse caso.

 


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