É natural que quem nasceu em Brasília ou vive aqui há muito tempo — como eu, que contabilizo 20 secas na cidade — se perca no lugar-comum, deixando que o cotidiano ofusque as belas paisagens locais. Vez ou outra, passamos por um ipê florido ou nos deparamos com o pôr do sol na Praça do Cruzeiro e, então, tiramos uns minutos para fotografar, ou apenas contemplar. Mas, em algum momento, vai acontecer de termos aquela sensação gostosa de receber um visitante e apresentar as maravilhas da capital do país. Aí, paramos novamente para apreciar as curvas, as asas, os eixos e os monumentos tão milimetricamente desenhados pelos arquitetos e urbanistas. E como é bom constatar que João de Santo Cristo tinha total razão: "Meu Deus, mas que cidade linda!"
Chegamos ao 63º aniversário de Brasília e temos que devotar a ela todas as homenagens. Mas não dá pra negar que vivemos em uma cidade peculiar. Não somos município nem estado, não elegemos prefeitos e vereadores, no Plano Piloto não há esquinas e nossos bairros são considerados regiões administrativas. Com olhares curiosos, quem nos visita pode perceber que o brasiliense é um povo sem sotaque, por mais que, em nossa fonética, haja referências de tudo que é canto. Alguns turistas ainda se impressionam com nosso costume de parar o carro na faixa de pedestre — em uma campanha institucional que foi abraçada pelo Correio há 26 anos — e a gente se certifica do quão difícil é dizer um endereço repleto de letras sem nexo e sem sonoridade — mas que tem lá sua lógica.
Não é estranho a gente sangrar o nariz em agosto, ocupar o Lago Paranoá para aliviar a secura e encontrar surfistas convivendo inusitadamente com as capivaras que por ali habitam. E que costume mais brasiliense o de sair na rua para celebrar a primeira chuva de setembro, logo após o início da orquestra filarmônica de cigarras? Mas, às vezes, dá um nó na cabeça. Contornar uma tesourinha não é nenhuma técnica da alta-costura. A gente adora dindin e esse não se coloca na cueca porque é gelado. Por aqui, dar o golpe do baú não é casar com alguém por interesse financeiro, mas mentir que atrasou porque perdeu o ônibus. Andar de camelo não é subir no lombo daqueles animais do deserto, assim como pegar uma zebrinha não é montar no mamífero listrado e circular pelas quadras do Plano Piloto. E é bom avisar ao turista que a bomba do Guará não é uma ameaça terrorista.
As peculiaridades da capital federal a tornam singular. Mas Brasília também é plural. Viemos do Oiapoque ao Chuí — e de diversos lugares do mundo todo — para formar uma cidade atípica, diversa, multicultural, de personalidade própria e atmosfera marcante. Uma capital pequena, onde moramos apenas eu, você e um amigo em comum, porque aqui todo mundo conhece alguém que o outro conhece. Contudo, grandiosa a ponto de se tornar Patrimônio Cultural da Humanidade e destacada como a melhor qualidade de vida do país. Como se não bastasse, Brasília ainda é dona de um título que muito nos envaidece: temos o céu mais apaixonante do mundo.