Política

Artigo: 100 dias de governo

Sacha Calmon - Advogado

Os primeiros meses de Lula são de êxito. O dólar não disparou. O mundo democrático não reclamou. A viagem à China, nosso primeiro parceiro comercial, e agora investidor, antes hostilizada pelo animal nada político que foi o ex-presidente (contrabandista de joias, quando era ainda presidente, uma vergonha)! Nem há motivo para Paulo Coelho queixar-se de sua classe média bolsonarista que deixou de lê-lo (fizeram uma boa escolha, embora sectária como sempre).

Nem procede a crítica também sectária do meu comentarista preferido Roberto Brant a exigir três anos em três meses do novo governo. Por três razões básicas. Uma, a inovação lógica e benéfica do Bolsa Família e o combate a picaretagem das falsas famílias unipessoais, que saqueavam a nação sob Bolsonaro. Duas, pela nova âncora fiscal de Haddad. Rogério Xavier, sócio fundador da SPX Capital, averbou: "Se as pessoas estivessem preocupadas com o lado fiscal estariam comprando dólar. O dólar está parado há três anos no mesmo patamar". E três, porque o país segue crescendo, em meio a recessão mundial (cresce menos desde o último trimestre de Bolsonaro em face dessa conjuntura).

No plano externo, a ampliação inusitada das relações com a segunda maior potência econômica, ou seja, a China, aumentará os valores do nosso comércio exterior, sem esquecer a renovação do Mercosul e o tratado difícil com a União Europeia que está em curso e estava parada. É claro que houve exagero na acusação de armação por parte de Moro. É compreensível. "Quem faz um cesto faz um cento". Nem isso compromete o governo. Entra na conta pessoal do destempero verbal. Acho cedo demais para críticos juízos assertivos, são todos de propósito e parciais, além de limitados. O regime democrático está em vigor, sem ameaças.

A crônica econômica no Brasil é pobre, mas, há bons analistas especializados por áreas. Mas é preciso buscá-los nos lugares certos. Não me consta nenhum despreparo do novo governo Lula em qualquer área. O tempo do inútil confronto com a esquerda já passou. O que existe mesmo é uma política de resgate das camadas mais pobres de nossa população, ao meu sentir insuficiente. Era e é de se esperar mais de um presidente que na infância passou fome.

E, só se fala em impostos. A grande novidade é a criação do imposto sobre bens e serviços (IBS) que seria um replicado IVA europeu, incidindo em todas as cadeias de bens mobiliários e serviços de qualquer natureza. Ora, afora os serviços tributados pelo ICMS com alíquota máxima de 18%, todos os demais estão na lista do ISS municipal que está limitado ao máximo de 5% sobre o valor do serviço. A reforma quer, já o dissemos, incidir com uma alíquota a 25% sobre todos os produtos materiais e todos os serviços além dos presentemente sujeitados a incidência do ISS e do IOF.

É evidente que tanto o ICMS quanto o ISS estão sofrendo aumento tributário ao mesmo tempo, mantendo-se o sistema não cumulativo, a partir da primeira operação. O imposto de renda também será aumentado numa segunda etapa, disse o ministro da Fazenda. Estamos contratando inflação para os próximos anos, dado que o fenômeno da repercussão tributária garante que os tributos não cumulativos sobre os preços serão repassados inexoravelmente para os consumidores finais! E isso sem falar na dificílima repartição de produto da arrecadação tributária entre a União, Estados e municípios, de intensa complexidade.

Acrescente-se que nem sequer foram exploradas a atuação e reação dos agentes envolvidos na reforma tributária, para se ter a visão prévia do caos ou até mesmo do apocalipse fiscal que está por vir. E não tem ninguém levantando a poeira porque todo mundo está empurrando com a barriga tão desagradável assunto. Coisas simples sem percepção estão a ocorrer: o PIS e a Cofins incidem sobre o lucro bruto (faturamento). O imposto de renda — largamente antecipado, e não poderia — juntamente com a CSLL, um adicional do imposto de renda, incidem sobre o lucro líquido (temos um "gross income tax" e um "income tax" juntos).

Essa reforma só entrará em vigor no fim do mandato Lula por força dos princípios da anualidade e anterioridade (em certos casos). A grande tacada seria uma comissão de técnicos federais, estaduais e municipais, IBGE, economistas, juristas e legisladores para estudar o assunto). No mais é tocar a vida, como nos mandatos anteriores sem surpresas desagradáveis. Este o recado que Lula e Haddad devem considerar.

A reforma com aumento do IR, com mais uma faixa e maior progressividade na escala bem como o badalado IBS significam aumento dos preços relativos e, portanto, de maior inflação, até porque o Banco Central que lidera o Comitê de Política Monetária (Copom) insiste em manter altos demais os juros básicos da economia numa situação de fraca demanda por bens e serviços.

 

Mais Lidas

Tags