saúde coletiva

Artigo: Como melhorar o atendimento ao negro usuário do SUS?

SÉRGIO FIGUEIRA - Enfermeiro, especialista em saúde da família, é servidor público

A partir do princípio de que nenhuma iniciativa em saúde coletiva pode ser concebida em desacordo com diretrizes presentes na legislação referente ao Sistema Único de Saúde (SUS) (Lei 8.080/1990), na atenção básica não poderia ser diferente. Se não tratarmos todos de forma equânime, estaremos ignorando um dos princípios fundamentais desse sistema, certamente faltando com a ética ao dispensar um tratamento diferente ao usuário em função da cor de sua pele.

Sendo assim, o usuário afrodescendente tem tratamento igual ao de qualquer cidadão no SUS. Essa seria a situação ideal. Porém sabemos que é preciso nos desafiar diante da realidade e lidar com as questões do racismo e do preconceito como elementos presentes e diluídos na cultura vigente, algo que é notável tanto a partir do prestador do serviço no sistema como quanto do usuário negro.

Por parte de quem presta o serviço, as primeiras evidências são a pouca disposição em ouvir uma queixa, ou, mesmo ouvindo, valer-se da utilização de pré-julgamentos, por vezes imputando culpa ao indivíduo por estar naquela situação. Outra evidência é o desconforto do atendente em acolher um negro obeso, em baixas condições de higiene, com dificuldade de comunicação ou com a cognição comprometida. Nesses casos, há ainda barreiras físicas (aquela janelinha de vidro com um orifício por onde mal passa o som), o que induz a um atendimento rápido e superficial, sem valorizar a coleta de informações, que, muitas vezes, seriam importantes ou vitais para o processo terapêutico do usuário.

O atendente pressionado por tais condições quer agilizar o processo e livrar-se do usuário como quem está com uma batata quente nas mãos. Provavelmente, o preconceito e a discriminação possam estar na desvalorização da subjetividade do indivíduo e do conjunto de situações que o levaram a procurar o serviço de saúde. Assim, o cidadão negro que busca o serviço de saúde na atenção básica se depara com manifestações de racismo estrutural disfarçadas num atendimento superficial, arbitrário e onipotente.

Esse usuário poderá agir de várias maneiras, quando se destacam a passividade proveniente da condição imposta que prevê a subserviência e a aceitação sem limites a todos os desmandos impostos; resposta agressiva (leia-se: resposta de um usuário consciente dos seus direitos como cidadão num sistema em que a discriminação é ilegal). Em geral, quando os usuários se fazem ouvir, são mais respeitados, mas também podem ser encarados como baderneiros, pessoas que cometem desacatos, chegando a envolver força policial, risco para quem tem o estigma de violento, desordeiro, mau elemento.

O racismo estrutural é muito difícil de ser combatido em função da natureza de sua existência e permanência na estrutura do desenvolvimento de uma cultura. O termo emergiu recentemente, mas sua existência é um fenômeno que vem da gênese das relações entre os seres humanos em que se concebe a superioridade de um grupo de pessoas sobre outras, por cor da pele, idioma, credo, área geográfica, disponibilidade de recursos. São sempre as diferenças que são observadas, nunca os fatores comuns.

Tudo que integra essa estrutura, além de ser o fundamento também será o segmento (tijolo/bloco) que evolui com o grupo social através do tempo, gerando um paradigma monolítico muito difícil de ser tombado. Qualquer estratégia para combater o racismo deve levar em conta todo esse contexto. Não basta ficar somente divagando em subjetividades do agressor (pois o racismo é um tipo de agressão) e da vítima (o indivíduo negro).

Há que pensar e formular continuamente um processo de reeducação em relações humanas, isento de interesses em hegemonias econômicas ou sociais, isento de preconceitos religiosos, tendo em vista o ser humano na sua essência e na harmonia com a natureza e seus processos evolutivos, para que haja uma subida para outro patamar da história do homem, visto que já conseguimos evoluir cientificamente em tantas outras áreas importantes de nossa existência.

Pensar assim pode até trazer uma conotação romântica a um texto ancorado na realidade triste de deficiências do SUS. É preciso ações que garantam que, quando um negro busque resolver seus problemas de saúde, que seja sem empecilhos ou entraves, que seja visto e tratado como cidadão e, principalmente, como um ser humano valioso que precisa de ajuda profissional para a cura física e emocional.

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