Alcançou escala exponencial o crescimento da área desmatada no cerrado, que abriga as nascentes de oito das 12 principais bacias hidrográficas do país. Nos três primeiros meses deste ano, o bioma perdeu 1.375km² de vegetação, um recorde de destruição, e a Amazônia, 844,6km² — 157,6km² a mais do que em igual período de 2022 —, segundo dados do Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real (Deter), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
A violenta intervenção antrópica se revela inadmissível, quando o país dispõe de 90 milhões de hectares de pastos degradados que poderiam ser recuperados para o cultivo de grãos e outras lavouras. A desarborização desnecessária e ilegal se torna mais grave, quando os países civilizados, inclusive o Brasil, estão em alerta e tentam promover políticas para mitigar as emissões dos gases de efeito estufa. O aquecimento crescente ameaça todas as espécies de vida no planeta, sem excluir os humanos. Além disso, leva à extinção de plantas e animais, acelera as mudanças climáticas, impondo secas cada vez mais rigorosas, contamina rios, favorece o surgimento e expansão das erosões, e provoca o esgotamento dos recursos naturais.
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Desde a sua posse, o governo prometeu conter o desflorestamento criminoso no país. O "liberou geral", dos últimos anos, seria contido, como determina a legislação. No entanto, o desmonte do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama), promovido pela administração passada, é um obstáculo a ser vencido para que a promessa seja cumprida. Hoje, o Ibama tem cerca de 300 fiscais em campo, contra 2 mil no passado. Ainda que o governo promova concurso público para sanar o deficit de servidores, os aprovados teriam que passar por treinamentos e capacitação para atuar em campo, algo que consumiria um bom tempo. O hiato temporal seria favorável aos predadores que desafiam a ciência e são indiferentes aos danos causados pelas suas ações criminosas.
A bióloga Mercedes Bustamante, professora da Universidade de Brasília, hoje presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), reiteradas vezes, advertiu que a supressão da vegetação nativa do cerrado terá impactos hidrográficos não só no Centro-Oeste, mas nas regiões Sudeste e Sul: "Secando o cerrado, vai acabar água também em outras regiões".
Assim, há um elevado risco de comprometimento da produção agropecuária, ante a menor oferta de água para as lavouras, para a dessendentação animal e para a população. Em estados com elevada densidade demográfica, o indesejável racionamento de água seria imprescindível. Impedir, com severidade, o avanço da devastação ambiental, tanto no cerrado quanto nos demais biomas exige ações urgentes do poder público.
A leniência com os predadores ambientais afeta a qualidade de vida, e até a própria vida, pois não se vive sem água. Os graves danos têm repercussão na economia nacional. Eis que há uma disposição dos países desenvolvidos de boicotar os produtos nacionais derivados de áreas ilegalmente desmatadas. A União Europeia aprovou um marco regulatório para rastrear e rejeitar os produtos procedentes de áreas desmatadas, numa lógica de coerência ante a indiferença de governos passados às recomendações de medidas necessárias para o enfrentamento do aquecimento global. Vencer esses desafios não é responsabilidade só do governo federal. Demanda engajamento firme e responsável do Congresso Nacional, dos agropecuaristas, dos governos municipais e estaduais, bem como dos segmentos sociais. A sobrevivência de todos está em jogo.