religiosidade

Artigo: Sobre religiões

Sacha Calmon - Advogado

A força da ressurreição abria as portas da salvação para todos os crentes. E foi por isso que Constantino viu no cristianismo uma maneira de dar ao Estado romano uma religião compassiva, politicamente importante para pacificar seu império multiétnico e multicultural, territorialmente imenso.

A condenação da filosofia e do saber, ainda que virtuosa, é total. Santo Agostinho não gostava de ridicularizar os "inteligentes" em prol dos crentes e da fé dos simples? Coube a Tomás de Aquino sistematizar uma doutrina, com suposto rigor grego, para o cristianismo crescente que avassalou Roma e o Ocidente.

Era necessário ter uma teologia e um clero para interpretá-la. Um acontecimento terrestre vira lenda, fecunda crenças, e lentamente transforma um pregador sincero em Deus, mas Deus filho do Deus-pai judaico, o conhecido Javê. Por obra do Espírito Santo como na Trindade persa (Ormuz, Arimã e o Espírito Santo). Ormuz é o Deus criador e Arimã o demônio da destruição. Essa união de Javé (espírito) com Cristo (uma pessoa) é arbítrio religioso.

Uma verdade, sistematicamente ocultada, reside no fato de que Jesus, como Galileu, falava para seus conterrâneos em aramaico (a língua geral falada em Aram, Damasco e todo o Oriente próximo). O "pai" era o único Deus. Mas os judeus, ou seja, os nascidos na Judeia, desdenhavam dos nascidos na Samaria (samaritanos) e dos galileus (nascidos na Galileia). E diziam: "O que pode vir de bom da Galileia?"

Thiago não queria a seita fora da Judeia. Paulo lhe fez oposição e partiu para a pregação noutros lugares. Na história de Israel, a religião, Estado e política se misturam. Em pleno século 21, o Estado de Israel se declara Estado Judeu. A tradição persiste até hoje. Mas o Deus judeu é Javé (Jesus teria sido um pregador).

Paulo, todavia, captou a mensagem básica de Jesus de Nazaré e razão de sua condenação por culpa do clero judaico naquela época. (Qual mensagem?) Existe apenas um Deus, que está no céu, e esse Deus é de todos os viventes. Essa é a razão de ser e da expansão do cristianismo. O mesmo haveria de ocorrer com o islamismo: há um só e único Deus, Alá, que está nos céus e em toda parte e Mohamed (Maomé) é seu último profeta. Seja com Cristo, seja com Maomé, o único Deus abrirá caminho no Ocidente para o monoteísmo (Javé, Jesus e Alá).

Há um texto no Velho Testamento (a Torá Judaica) dizendo que a salvação vem dos judeus. O trecho é discutível e tem-se por medieval, quando já não se distinguia mais entre judeus, samaritanos e galileus, já cristianizado o Ocidente por conta do poder romano. A espiritualidade do Oriente tem outro DNA, é baseada no amor místico da comunhão com o universo e na meditação (budismo, taoísmo, hinduísmo).

Há espaço na teoria das religiões para uma separação entre as ditas reveladas, como tais o judaísmo, o cristianismo e o islamismo, e as não reveladas, fincadas na meditação e no misticismo, assim considerados o budismo, o xintoísmo, o taoísmo, o ashanti e o hinduísmo, além de outras. Nunca saberemos quando uma tendência religiosa vira seita e daí mais um passo se torna nova religião. E há, não se duvide, uma inclinação para divisões intestinas que podem descambar para outros patamares. Mas, de algum modo, sempre haverá uma figura humana, carismática, a encabeçar os cismas religiosos.

Para nós, herdeiros da religiosidade judaico-cristã, sejamos ortodoxos, católicos, evangélicos ou protestantes como se convencionou chamar, estamos definitivamente abraçados à figura ímpar de Jesus de Nazaré, ou seja, o cristianismo (o Cristo Redentor). A nossa fé vem junto com Jesus, sejamos católicos romanos, ortodoxos, protestantes ou evangélicos, adeptos ou não da Reforma ou da Contrarreforma. Cabe sim uma diferenciação entre fé e estruturas religiosas subjacentes ao seu exercício, construídas pelos homens no devir da história até mesmo para entender, de um lado, a liberdade religiosa e, de outro, a imunidade dos templos de qualquer culto à tributação da renda e do patrimônio, como prevê a Constituição no Brasil.

Aliás, essa imunidade tributária encontra opositores e adeptos. Ao cabo está na Constituição que a tributação alcança os "templos de qualquer culto". Muitos entendem que a regra é restrita por se tratar de dispensa de tributo devido (princípio da abrangência) e tão somente os templos (igrejas, sinagogas, terreiros) estariam imunizados, não as ordens religiosas e os padres e ministros (imunidade objetiva). Outros entendem que, ao contrário, todas as religiões, suas rendas e patrimônio, estariam imunes (imunidade subjetiva), não, porém, as participações acionárias ou por cotas de capital em outras pessoas jurídicas. Entendo que essa imunidade das religiões rima com a República, que é laica, ou seja, não temos nenhuma religião oficial, como ocorre noutros países e não são poucos.

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