REGINALDO NOGUEIRA — Ph.D. em economia e diretor sênior do Ibmec
MÁRCIO SALVATO — Doutor em economia e diretor geral do Ibmec Belo Horizonte
A tradição de avaliar os primeiros 100 dias de um novo governo vem de Franklin Roosevelt, que assumiu a Presidência dos Estados Unidos em 1933, em meio à grande depressão. Durante seus primeiros 100 dias, ele adotou medidas de impacto visando à recuperação da economia, do nível de emprego e do aliviamento da pobreza. A clara visão reformista e de uma agenda que seria sua marca estabeleceu o padrão esperado para o início de um mandato, quando há expectativas da população e bom humor do meio político.
Os 100 primeiros dias do governo Lula não foram assim. Eleito como presidente em uma eleição acirrada e enfrentando forte oposição da base política e social, o governo enfrentou até um inaceitável movimento de agressão em Brasília no começo de janeiro. Isso já tornou o início do governo atípico, nada assemelhado a uma lua de mel.
Mas, focando no ponto de vista da economia, o que se observou até agora foi uma série de erros de condução e, principalmente, de comunicação, o que tem alienado o mercado e parte da base política e social mais moderada.
Isso começou, na verdade, antes da posse, ainda no período de transição. O debate a respeito da PEC da Transição se tornou uma anti-PEC do Teto dos Gastos, cancelando a importante medida institucional introduzida pelo governo de Michel Temer. Em seu lugar foi prometido um novo marco de controle da trajetória da dívida pública e regras para o gasto público.
Após a posse, ao invés de antecipar a discussão, o governo manteve a proposta em banho-maria por um bom tempo, mandando apenas sinais daquilo que eventualmente seria apresentado. Isso reforçou a impressão de um embate dentro do próprio governo sobre o tema. Ao final, a proposta apresentada foi melhor do que se esperava no mercado, mostrando preocupação com a geração de superavits primários ao longo do tempo.
Embora bem mais flexível do que a política de Teto dos Gastos, a impressão inicial foi positiva, por ser um momento em que alguma racionalidade fiscal pareceu firmar posição. Olhando o período completo dos 100 dias, foi o melhor momento do ponto de vista de agenda econômica. Nesse caso, a bola agora está com o Congresso Nacional.
Mas é curioso notar que a primeira pauta econômica após a posse foi, na prática, o resgate da discussão da moeda única do Mercosul. A surpresa com relação ao tema foi tão grande quanto a reação contrária, uma vez que não há integração comercial e financeira que justifique o movimento. Na mesma esteira de surpresas, se anunciou o uso do BNDES para auxiliar o financiamento de operações de comércio com os vizinhos, desencadeando nova onda de críticas.
Ao longo desses 100 primeiros dias, outras questões econômicas vieram à pauta e sempre trouxeram um embate maior que o necessário dentro do próprio governo. Como, por exemplo, o novo salário mínimo aprovado no orçamento que já oferecia ganho real, mas o governo queria mais, pressionando o Ministério da Fazenda.
A reoneração dos impostos sobre combustíveis estava prevista no novo orçamento, mas, depois de idas e vindas, houve postergação do início e confusão na comunicação ao se misturar com a política de preços da Petrobras. A própria discussão sobre o fim da Lei das Estatais e a liberdade para as indicações políticas para postos de comando soou estranho e fora de contexto para um governo recém-iniciado.
Vale destacar, por fim, que o pior em todo esse período tem sido o embate do presidente Lula e seus ministros contra o presidente do Banco Central do Brasil e contra a própria autonomia legal da instituição. Esse tema em especial tem afetado o mercado de juros e tornado mais difícil a travessia do cenário inflacionário. Nos termos atuais, esse embate apenas posterga a queda da taxa de juros brasileira.
Em suma, quando se olha o cenário da agenda econômica nesses 100 dias, observa-se uma série de desgastes, confusões e embates desnecessários. Mas são apenas 100 dias e claramente há tempo para uma virada.