O governo de Luiz Inácio Lula da Silva completa 100 dias nesta segunda-feira. Eleito para o terceiro mandato como presidente da República em uma disputa eleitoral marcada por forte polarização ideológica, o petista assumiu o comando de uma nação dividida, duramente atingida pelas 700 mil mortes da pandemia de covid-19 e com uma economia a acumular graves problemas, como alta taxa básica de juros, previsão de crescimento medíocre e desemprego próximo da casa de 10%.
Não bastassem essas condições desfavoráveis, o presidente assumiu em 1º de janeiro sob a sombra de uma ruptura democrática. Não foram poucos os sinais emitidos e movimentos urdidos para colocar em xeque o processo eleitoral e as instituições da República. Investigações em curso apontam evidências cada vez mais sólidas de que integrantes do alto escalão do governo Bolsonaro — em especial o ex-ministro da Justiça Anderson Torres — estavam envolvidos em tramas antidemocráticas, como as barreiras policiais para impedir o direito constitucional ao voto dos eleitores do Nordeste e uma minuta para intervir na Justiça Eleitoral. Há fortes suspeitas, ainda, da omissão — quando não conivência — de setores das Forças Armadas com a mobilização dos acampamentos extremistas montados pelo país. Essa leniência levou ao 8 de janeiro, o dia da infâmia na história recente brasileira. Assim começou o governo Lula.
Ao assumir o Palácio do Planalto, o presidente tratou de colocar em prática o que havia prometido na campanha eleitoral. Em boa medida, o fez. Reafirmou, em primeiro lugar, o compromisso de respeitar a Constituição e preservar o Estado de direito — "Democracia, sempre!", bradou no discurso de posse no Congresso Nacional. Em seguida, o chefe do Executivo reforçou políticas públicas — rebatizou e ampliou o Bolsa Família — e reabilitou ações em defesa de minorias e grupos excluídos ou desamparados pelo Estado, como indígenas, negros e mulheres.
É na economia, porém, que reside o grande desafio da terceira passagem de Luiz Inácio Lula da Silva na Presidência da República. Nesse quesito, ainda há muito a fazer — e muito debate a se realizar. Passados praticamente 100 dias, o Executivo ainda não enviou uma proposta detalhada de como pretende implementar a nova âncora fiscal, que virá em substituição ao corrompido teto de gastos. Decorridos cinco meses da eleição, somente agora é que se tem uma ideia de como a atual administração pretende controlar o rombo nas contas públicas. E a proposta ainda terá de passar pelo crivo do Congresso Nacional. O Brasil está com muita pressa.
Enquanto a equipe do ministro Haddad desenvolvia uma engenharia econômica com o novo arcabouço fiscal, o presidente lançou-se em uma cruzada pessoal contra o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Em termos práticos, a ofensiva teve resultado pouco efetivo. Em consonância com a maioria dos bancos centrais no mundo, o Comitê de Política Monetária manteve a austeridade na taxa básica de juros. Na quinta-feira, em café da manhã com jornalistas, Lula disse que não pretendia mais brigar com o chefe da política monetária. Mas não diminuiu o tom das críticas, ao falar da meta de inflação estabelecida no país. "Se a meta está errada, muda-se a meta", disse, revelando a conhecida tendência do PT em intervir de forma mais contundente na economia.
Há outros sinais que preocupam alguns setores no chamado Lula 3. Os decretos que alteram o marco legal do saneamento e o anúncio, na sexta-feira, da retirada de estatais do programa de privatização são medidas unilaterais que setores liberais consideram como retrocesso. Certamente haverá muita discussão até que essas questões sejam equalizadas.
O progresso do terceiro mandato de Lula da Silva poderá ser medido, no entanto, se o chefe do Planalto tiver habilidade política em resolver uma urgência: a reforma tributária. Nesse sentido, a responsabilidade também recai sobre o Congresso Nacional, onde duas propostas concentram o debate.
Os primeiros 100 dias mostram que não faltam desafios, portanto, para o terceiro governo do petista. Que prevaleçam o espírito público e o compromisso com os anseios da nação nos 1.360 dias restantes.