Opinião

Artigo: A vez de o Senado regular o lobby

Cada vez mais fica clara a necessidade de termos uma legislação definitiva, apta a regular a interação entre agentes públicos e atores privados ou estados estrangeiros com interesses no país

Flávio Carvalho Britto — Advogado e procurador da Câmara Municipal do Rio de Janeiro

Natália Bahury — Advogada e mestranda em Políticas Públicas e Governo pela FGV-EPPG

Afinal, o presidente da República pode receber presentes valiosos de autoridades estrangeiras? Magistrados podem livremente comparecer a seminários patrocinados por empresas? Parlamentares podem viajar às custas de associações de classe? É constrangedor não termos ainda respostas precisas para perguntas tão triviais. Cada vez mais fica clara a necessidade de termos uma legislação definitiva, apta a regular a interação entre agentes públicos e atores privados ou estados estrangeiros com interesses no país.

Temos, é verdade, algumas normas esparsas e outras tantas decisões do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre comportamento ético dos agentes públicos. Mas as notícias recorrentes sobre ligações potencialmente perigosas escancaram a necessidade de o Congresso Nacional romper essa face de nossa ancestral cultura patrimonialista.

O Senado Federal tem em mãos o Projeto de Lei nº 1.202/2007, já aprovado na Câmara dos Deputados: a proposta regulamenta a atividade de “representação de interesse” – o lobby – junto aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, abarcando ainda o Tribunal de Contas e Ministério Público. Trata-se de considerável ampliação de acesso à informação e aos processos decisórios e de gestão dos agentes públicos, alinhado em boa medida com as diretivas da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, ente que congrega países desenvolvidos com foco no desenvolvimento econômico e de políticas públicas.

O projeto é abrangente, mas comporta melhorias. Considerados os recentes acontecimentos, por exemplo, seria bom o Senado regular o recebimento de brindes e presentes por agentes públicos. A proposta atual já trata da chamada “hospitalidade legítima”, ou seja, a oferta, pelo particular, de pagamento de despesas do agente público, como transporte e hospedagem em eventos, cabendo então também dispor sobre os outros mimos. Aqui, pode-se buscar inspiração no que dispõe o Decreto nº 10.889/21, que trata do tema para o Poder Executivo, ou mesmo do bom PL n º1055/2023, recentemente apresentado pelo deputado Pedro Paulo (PSD/RJ), com abrangência nacional e para todos os poderes.

O empresariado historicamente busca manter relacionamento com o agente público tomador de decisão. Isso não é ruim: agentes públicos precisam mesmo dispor de informações para embasar suas deliberações. Assim, muito melhor termos uma norma que jogue luz nessa relação do que continuarmos em um vácuo legislativo, submetendo a opinião pública a seguidos momentos de perplexidade e indignação.

A proposta submetida ao Senado tem um viés marcadamente democrático: não se exige formação acadêmica para a atividade do lobby, bastando a autodeclaração do agente. Existe, é verdade, uma área especializada — chamada “relações governamentais” — que cuida justamente de acompanhar os debates legislativos e buscar interlocução com os agentes públicos, o que qualifica o debate. Impor, contudo, formação acadêmica e específica seria um exagero, pelo que, neste ponto, anda bem o projeto. De outra parte, a exigência de prévio cadastramento do lobista em cada instituição parece ser de rigor desproporcional. Aqui a proposta poderia ser revista.

Um outro ponto sensível merece reexame: apesar de apresentar satisfatório índice de transparência, o projeto deveria prever claramente a forma da disponibilização das informações sobre os encontros com os tomadores de decisão. O que a Câmara propõe é instituir o dever de disponibilização das informações sobre as interlocuções em sistema eletrônico em até 180 dias da publicação da lei.

Parece-nos aqui que a norma poderia detalhar forma e conteúdo do que será publicado e se cada instituição cuidará de organizar-se para o cumprimento da lei. O ideal seria termos um único padrão, de forma a não se ficar ao sabor da discricionariedade de cada unidade de poder. E, claro, convém ainda que as mesmas regras do projeto valham nas esferas estaduais e municipais.

Uma outra ótima medida é a que prevê um impositivo período de quarentena a ex-agentes públicos que queiram se arvorar à atividade de lobby. Busca-se aqui inibir potenciais efeitos tóxicos da chamada “porta giratória”, ou seja, o indevido fluxo de servidor público em direção ao setor privado. Propõe-se, então, uma quarentena de 12 meses. A proposição é oportuna: veja-se que, recentemente, o Ministro das Comunicações e o Advogado-Geral da União do governo anterior assumiram relevantes cargos em instituição financeira, dispensados de cumprir quarentena.

A nova lei vedará essa movimentação. A luz do sol ainda é o melhor detergente, disse Louis Brandeis, juiz da Suprema Corte americana no início do Século 20. Cumpre ao Senado aprimorar o bom projeto recebido da Câmara e presentear o país com uma Lei de Lobby, que, a um só tempo, permita o acesso público e democrático aos dados da interação dos agentes públicos, e induza o país a melhorar seu ambiente de negócios.

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