Opinião

Artigo: Por quem dobram os sinos do STJ?

Há algum tempo, o STJ, em matéria criminal, tem proferido decisões de cariz garantista monocular, nas quais desprestigia o esforço policial em prevenir a criminalidade

NEWTON CEZAR VALCARENGHI TEIXEIRA — Promotor de Justiça do MPDFT e titular da 5ª Promotoria de Justiça de Entorpecentes

Em 1623, doente e a um passo da morte, o poeta e pregador inglês, John Donne, escreveu a obra Devotions upon emergent occasions, uma coleção de 23 devoções representando cada um dos dias em que esteve internado até cura.

Na devoção XVII, o autor consagrou a expressão "por quem dobram os sinos" ao referir que nenhum homem é uma ilha, e a morte de qualquer pessoa diminui as demais. Portanto, dobrar o sino por alguém é anunciar a sua morte. O poema celebra a igualdade entre todos e a finitude. Nada mais humano.

No ano de 1940, a expressão foi revisitada por Ernest Hemingway, em livro que encerra o mesmo título e versa sobre os horrores da Guerra Civil Espanhola. Há algum tempo, o STJ, em matéria criminal, tem proferido decisões de cariz garantista monocular, nas quais desprestigia o esforço policial em prevenir a criminalidade.

De início, traz-se à baila o acórdão exarado no RHC 158.580/BA, em que a Corte anulou o feito porque a abordagem do agente, com quem havia drogas destinadas à difusão, se deu a partir do seu desconforto ao perceber a polícia. Ora, antecipar-se ao cometimento do crime, ou, como no caso, diminuir as suas consequências, impedindo a difusão da droga, deveria, com o devido acatamento, constituir uma postura a ser estimulada pelo tribunal.

Além disso, o STJ já entendeu que o fato de o policial avistar, pelo lado de fora da residência, o agente manipular a droga numa mesa (AgRg no REsp 1.865.363/SP), a circunstância de alguém correr ao visualizar a guarnição (HC 609.072/SP), ou o cheiro da droga percebido pelo cão adestrado (HC 566.818/RJ) não constituem justa causa para a busca pessoal e domiciliar.

Gary Becker, professor da Universidade de Chicago e Nobel de Economia em 1992, desenvolveu a Teoria Econômica do Crime, segundo a qual a decisão sobre o cometimento ou não do delito passa, invariavelmente, por uma análise de custo-benefício. É dizer, quanto maiores as chances de o agente lograr êxito em sua empreitada, entenda-se, praticar o ilícito, obter a vantagem pretendida e não ser punido, mais crimes serão cometidos. Logo, o desafio de qualquer sistema de justiça criminal é justamente evitar a opção pelo risco tomada pelo delinquente, tornando-a desfavorável aos seus interesses. E isso se faz com estímulo ao trabalho policial responsável e punição exemplar.

Retirar do policial a prerrogativa de abordar alguém, uma vez presente a fundada suspeita a que aduz o art. 240 do CPP e respeitados os protocolos da respectiva corporação, implica alijá-lo da possibilidade de evitar um mal maior. Se ao policial é defeso realizar abordagens, tendo em vista os entendimentos acima, que não reconhecem justa causa para tanto, não poderá mais retirar de circulação drogas, armas e indivíduos perigosos. Só resta esperar que o crime aconteça. Juntem-se os cacos depois.

Ademais, se quando da abordagem efetivamente há a localização de algum ilícito, mais razão para se ter como presente a fundada suspeita nas situações retromencionadas. E não se olvide que a situação de flagrante delito constitui exceção ao princípio da inviolabilidade de domicílio, conforme o disposto no inciso XI do art. 5º da Constituição Federal. Com o devido respeito aos julgados acima, o recado que se passa aos que insistem em viver à margem da lei é que lá podem permanecer e recrutar mais soldados. Nessa luta desigual, o crime não guarda amarras legais ou morais, ao passo que os defensores da ordem precisam cada vez mais se esquivar do "fogo amigo".

Saliente-se que quem mais sofre com tamanha leniência do Judiciário são as pessoas pobres, em especial nas comunidades em que o Estado paralelo, leia-se traficantes e milícias, fazem morada, subjugando e tiranizando as populações locais e onde a polícia é tida como um inconveniente, numa verdadeira inversão de valores que acaba por fomentar ainda mais a criminalidade.

Num país em que, apenas no ano de 2021, foram registrados cerca de 130 homicídios por dia, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, onde grassa a impunidade e as penas são extremamente brandas, ouve-se ao longe o replicar dos sinos. Resta saber, apenas, por quem dobram os sinos do STJ, se pela polícia, pela persecução penal ou pela nossa esperança.

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