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golpe de Estado

Artigo: Ópera-bufa

Presidente Lula e Dilma Rousseff na cerimônia de posse dela na presidência do banco do Brics -  (crédito: Ricardo Stuckert/ Presidência da República )
Presidente Lula e Dilma Rousseff na cerimônia de posse dela na presidência do banco do Brics - (crédito: Ricardo Stuckert/ Presidência da República )
Carlos Marun
postado em 18/04/2023 06:00

CARLOS MARUN - Advogado, foi ministro de Estado

O presidente Lula, desde o 2º turno da eleição, vem se referindo ao impeachment de Dilma Rousseff como um "golpe". Agiu assim inclusive em reuniões realizadas com outros chefes de Estado na Argentina e no Uruguai. Isso provocou imensa contrariedade no presidente Michel Temer, que respondeu em tom elevado mas firme.

No dia 13/2, na solenidade de aniversário do PT, após afirmar que agora vai "governar do seu jeito", voltou a se referir dessa forma ao afastamento de Dilma Roussef do poder, no que foi seguido pelo Diretório Nacional do seu partido, que reafirmou isso em resolução do seu Diretório Nacional. Sim, o mesmo PT que apoiou o impeachment de Collor e apresentou dezenas de pedidos de afastamento de FHC.

Pois bem, o impeachment de Dilma Roussef foi, como devem ser os impeachments, um processo júridico-político pedido pelas ruas, apoiado inclusive pelo hoje vice-presidente Geraldo Alckmin, surgido a partir da identificação pelo Tribunal de Contas da União (o hoje ministro José Múcio votou favoravelmente a essa tese) do crime de responsabilidade, autorizado pela Câmara e aprovado pelo Senado (vários hoje ministros de Lula votaram favoravelmente a ele) e respaldado pelo Judiciário, mediante decisões colegiadas e de Lewandowski, que presidiu o processo.

Na verdade, o próprio PT não resistiu com vigor, decepcionado com a incompetência administrativa e política de Dilma e revoltado com o fato de ela não ter devolvido a Lula a condição de ser o candidato do partido à Presidência em 2014.

Ao taxá-lo como golpe, Lula comete o mesmo erro cometido por Bolsonaro: querer agradar somente à parte mais radical dos seus. É certo que, na sua última fala sobre o assunto, estava na festa de aniversário do seu partido, mas, mesmo assim, ele infelizmente está demonstrando não estar, pelo menos até agora, à altura do momento histórico que o país vive, quando se faz absolutamente necessária uma mínima reconciliação.

O momento é diverso de 2002, quando Lula venceu a eleição em função de bandeiras históricas que o seu partido defendia. Desta vez a vitória, muito mais estreita, se deu em um país rachado praticamente ao meio que precisa ser pacificado. A reconciliação a que me refiro deve começar a partir de alguns consensos e penso que o primeiro deles é o respeito ao Estado Democrático de Direito, tão ameaçado pela verborragia de Bolsonaro e pelas ações do 08 de janeiro.

Aí está o principal problema dessa retórica tosca que está sendo utilizada por Lula. Não há como alguém se dizer democrata e, ao mesmo tempo, negar a legalidade de um processo previsto e levado a efeito em absoluta conformidade com a Constituição. Chamar o impeachment de golpe é renegar o que está posto na nossa Carta Magna. Isso sim, é coisa de golpistas e não de genuínos democratas. Ao agir assim, o presidente se distancia da possibilidade de utilizar o respeito à Constituição como o primeiro consenso a ser estabelecido na busca de uma pacificação nacional.

Lula foi vítima de uma real tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro. Deveria ter aprendido o que é isso. Espero que cessem definitivamente essas falas que se constituem atos dessa ópera-bufa que apresenta a ideia de que o processo absolutamente legal e constitucional vivido pelo Brasil com o afastamento de Dilma Roussef da Presidência tenha sido um golpe. Salvo se estivermos falando de um golpe de sorte.

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