Há um discurso pronto enganoso no futebol brasileiro em gestões de crise. Cartolas, diretores e jogadores o repetem a exaustão para livrar-se de perguntas embaraçosas. Como em uma jogada ensaiada, disparam o velho e batido mantra no qual nem mesmo eles acreditam: "Aqui ninguém é maior que o clube". Nem sempre, amigos.
Vejamos o caso do Flamengo. O clube mais rico e badalado da América do Sul estava prestes a se curvar a Jorge Jesus. Recuou e fechou com outro Jorge, o Sampaoli. Sem técnico depois do concerto do Fluminense de Fernando Diniz na final do Carioca, e da demissão de Vítor Pereira, o time de maior torcida do país arriscava se apequenar para ter o técnico-ídolo de volta. O português cumprirá o contrato com o Fenerbahçe.
Ele briga por títulos na Turquia. O time de Jorge Jesus é vice-líder do Campeonato Turco. Seis pontos atrás do Galatasaray. É semifinalista da Copa da Turquia. O protagonista de cinco títulos em 2019/2020 — entre eles a Libertadores e o Brasileirão —, parecia a fim de voltar, porém exigia uma condição, para mim, inegociável: o Flamengo teria de esperá-lo até o encerramento da liga, em 28 de maio; e da copa nacional, em 1º de junho, se o Fenerbahçe avançasse. Enquanto isso, um interino ou treinador tampão tocaria o desgovernado "AeroFla" na Libertadores, no Brasileirão e na Copa do Brasil. No total, 14 partidas sem um comandante.
Saiba Mais
Por que esperar por Jesus se o próprio treinador largou o Flamengo, em 2020, depois de renovar contrato com o clube? Bastou o ex-presidente do Benfica, Luis Filipe Vieira, estalar os dedos, em Lisboa, para ele rasgar o contrato em meio à pandemia. O cartola pagou a multa rescisória de 1 milhão de euros, embarcou o treinador no jatinho particular e o levou de volta à terra de Camões. Notaram a contradição? Quem, há três anos, não pediu ao Benfica para esperar, agora exigia do Flamengo que entrasse na fila atrás do Fenerbahçe. Rodolfo Landim havia topado pagar a multa, como fez Luis Filipe Vieira, porém Jorge Jesus ficou no muro.
Vítor Pereira é apedrejado no Brasil por ter usado a sogra como desculpa para não renovar com o Corinthians. Assumiu o Flamengo. Quem torcia pela volta de Jesus e o colocava em um patamar superior ao Flamengo jogava para debaixo do tapete a conduta antiética dele no carnaval de 2022. Em entrevista ao colega Renato Maurício Prado, cavou publicamente para assumir o lugar de Paulo Sousa no Flamengo. O compatriota estava vulnerável no cargo.
Cartolas dizem que ninguém é maior do que o clube. Mentiras sinceras interessam a torcedores ingênuos contaminados pelo lindo discurso. Falo do Flamengo, mas serve para vários clubes. Renato Gaúcho é "dono" do Grêmio. O São Paulo vai mal faz tempo, mas Rogério Ceni é intocável no cargo. Jesus brincou mais uma vez de ser deus do Flamengo. Por isso deu Jorge Sampaoli.
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