JOSÉ PASTORE — Professor da Universidade de São Paulo e membro da Academia Paulista de Letras, é presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Fecomercio-SP
Eu também me assustei quando li essa frase em um relatório do renomado Instituto de Estudos Políticos de Paris. Isso me fez lembrar da avalanche de leis aprovadas pelo Congresso Nacional que geram e aprofundam as desigualdades. São leis "extrativistas", que condenam os países ao fracasso como explicam Daron Acemoglu e James Robinson em Por que as nações fracassam (São Paulo, Editora Intrínseca, 2018).
Leis extrativistas são as que enriquecem os grupos mais fortes à custa da extração de recursos dos grupos mais fracos. Selecionei alguns exemplos de uma lista de metros.
Por força da Lei Orgânica da Magistratura (Lei Complementar 35/1979), um juiz condenado em todas as instâncias por corrupção e má conduta é "apenado" com uma régia aposentadoria até o fim da vida com salário integral. Um empregado que é despedido por justa causa recebe apenas as verbas rescisórias, sem direito sequer ao seguro desemprego. Está aí: desigualdade criada por lei. É um verdadeiro deboche para os trabalhadores brasileiros.
Mais um exemplo ligado aos magistrados. A Constituição de 1988 estabeleceu que os trabalhadores brasileiros têm direito a 30 dias de férias por ano, enquanto os juízes e promotores desfrutam de 60 dias mais 15 de recesso. Quando me dizem que as instituições brasileiras funcionam, eu pergunto funcionam para quem?
Pela Lei 14.020/2021, os empregados celetistas podem sofrer cortes de jornada e salário e até a suspensão do contrato de trabalho em tempos de dificuldades, como ocorreu na pandemia da covid-19. Isso não se aplica aos servidores públicos porque a Constituição Federal diz, no seu art. 37, Inciso XV, que "o subsídio e os vencimentos dos ocupantes de cargos e empregos públicos são irredutíveis".
Lembro aqui o saudoso Roberto Campos quando dizia: "Nossa Constituição é uma mistura de utopias com maldades". Ela dá as bases para leis e decretos que extraem recursos dos fracos para fortalecer os fortes.
O Decreto 7.755, de 2012, assinado pela presidente Dilma Rousseff, criou a Empresa de Planejamento e Logística (EPL) para implantar o trem-bala. O projeto foi abandonado há tempos, mas a empresa sobrevive até hoje, tendo consumido mais de meio bilhão de reais, recursos que poderiam melhorar a merenda escolar, por exemplo. Isso é um tapa na cara do povo.
O Brasil está repleto de leis que atendem grupos muito pequenos, mas bastante poderosos, como é o caso dos que conseguem concessões de rádio e TV sem pagar um centavo aos cofres públicos. É a conhecida economia de privilégios. Tudo aprovado pelo Congresso Nacional.
Para ver um verdadeiro festival de leis de favores no campo econômico, sugiro a leitura de Marcos Lisboa e Marcos Mendes, O Executivo e o Congresso distribuíram presentes: a conta vai chegar (Brazil Journal, 06/10/2022).
Concordo com os termos usados por Frédéric Louault, professor da Universidade de Bruxelas e autor do relatório citado quando diz: "Os congressistas brasileiros bloqueiam todas as iniciativas de reformas que põem em perigo os seus próprios interesses".
A nossa responsabilidade democrática não deve parar no voto. James Madison dizia que a democracia é um processo a ser trabalhado dia a dia. Ela amadurece na medida em que os governados aprendem a respeitar os governantes, os governantes aprendem a respeitar os governados e, sobretudo, os governados aprendem a controlar os governantes.
Precisamos ser mais atuantes. Usemos a poderosa internet para pressionar nossos congressistas o tempo todo.
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