Por JOSÉ NATAL - Jornalista
Em tempos outros, lá pelas décadas de 1960, 1970 ou coisa assim, brasileiro classe média que viajava para o exterior entrava no avião sonhando em trazer pra casa três calças Lee, latas de Budweiser, caixas de cigarros More, bonecos de pelúcia do Mickey, Pateta e outros bichinhos da Disney. Miami, Orlando, Barcelona, Madrid , Paris e outras cidades charmosas eram os sonhos de consumo. Acrescente aí algumas marcas de uísque, caixinhas de som, disk laser e aparelhos de home theater, som de alta qualidade. Bom lembrar que naquela época viagens às Arábias, Catar e outros paraísos não figuravam com frequência nos pacotes das agências de turismo. Era coisa pra rico, muito rico. A realização era trazer dos países visitados, notadamente de Miami, bugigangas e vender esses utensílios por aqui, lucrando alguns centavos da moeda da ocasião. A volta ao Brasil causava certo estresse. Como convencer os fiscais da Receita que a cota permitida estava correta?
Os tempos mudaram, mas o rigor dos fiscais nos aeroportos do Brasil ainda trazem as marcas dos dias de ontem. O episódio ridículo, abusivo, desonesto e atrevido da comitiva do capitão após a viagem às Arábias envergonha o país. Tentar engabelar a Receita Federal, trazendo ao Brasil um pacote de diamantes num valor aproximado de R$ 17 milhões, sem pagar impostos é o mesmo que dar um tapa na cara da instituição e da sociedade e ainda sorrir do que fez.
Tudo que foi registrado nessa patacoada até agora só aumenta o descrédito em todas as ações que, de alguma forma, configura presente a digital do ex-presidente, sem dúvida, um gerador de discórdias, conflitos de ideias e polêmicas que cheiram mal. Episódios sempre estranhos e negligentes.
Louve-se aqui a reportagem competente e corajosa dos jornalistas do Estado São Paulo, resgatando com depoimentos, documentos e fotos toda uma tramoia mal-intencionada e duvidosa. Nem Agatha Christie, nos seus belos contos de mistérios e suspenses, teve tanta inspiração para gerar história tão bizarra. A primeira versão relatada pelo ministro porta-joias não deu certo e caiu por terra na primeira investigação.
Colocar joias no valor de R$ 17 milhões no pescoço de uma mulher, seja ela primeira-dama, estrela de cinema ou empresária do petróleo, aqui no Brasil seria um risco que poucos teriam a audácia de correr. Nesse particular, a primeira-dama até que acertou em levar o assunto para o terreno da galhofa. Nossa polícia ainda se escora muito em denúncia anônima e nos cães farejadores para garantir a segurança de alguém.
Entretanto, qualquer que seja o resultado da investigação em curso, que investigue de fato tudo que aconteceu, não se avente a menor possibilidade de isenção de culpa dos responsáveis por esse gesto de visível má-fé, uma agressão ao bom senso e provocação às autoridades que cuidam do setor. Fácil nominar os itens dos agravantes. Em primeiro lugar, nada demais que os governos troquem presentes entre seus líderes, há normas legais para isso e, nesse caso, todas foram ignoradas.
O governo utilizar um avião da FAB para enviar um funcionário a São Paulo na missão de retirar da Receita uma encomenda milionária e cercada de questionamentos também desabona o poder. No mínimo estranho. Até os dias de hoje, ninguém foi formalmente acusado de nada, ninguém citado como autor de um crime. O que fica evidente após toda essa mal organizada e desqualificada aventura é o registro de mais um caso que aumenta a avaliação negativa do ex-presidente e enriquece seu robusto repertório de coisas difíceis de se explicar em casa.
A sociedade esclarecida, por mais que tenha lá alguma admiração pelos personagens desse filme chanchada, em algum momento deveria se cobrar. Nunca se viu tanta incompetência e vigarice juntas, o tempo todo em todo lugar.
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