Os cidadãos de Israel e da França têm dado uma lição ao mundo, nos últimos meses. Uma demonstração de profundo respeito pela democracia, um dos valores universais que tornam um povo livre e que impedem autocratas de tomarem o poder e governarem pelo medo. Centenas de milhares de judeus e de árabes israelenses tomaram as ruas de Tel Aviv, Jerusalém, Haifa e outras cidades do país para repudiar a reforma judicial apregoada pelo premiê Benjamin Netanyahu. As mudanças mais radicais do Judiciário dos últimos 75 anos — algo sem precedentes na história do Estado de Israel — dariam poderes quase ilimitados a Netanyahu. E tornariam ainda mais frágil o débil sistema de freios e contrapesos, o mecanismo que supervisiona o governo e coíbe exageros ou incorreções.
Estive em Israel no início do mês. Impressionou-me o engajamento dos cidadãos em prol de uma causa comum: rejeitar o plano de Netanyahu. De todos os lugares, a pé, de bicicleta ou do transporte público, saíram israelenses com a bandeira de seu país nas mãos e um semblante de quem luta pelo próprio futuro. Faltam aos brasileiros essa politização, esse comprometimento com a estabilidade democrática, a defensa intransigente dos direitos sociais e a percepção de que uma nação se constrói com cidadania.
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Na França, milhões também saíram para rejeitar a reforma da Previdência encampada como mote de governo pelo presidente Emmanuel Macron. A invocação de um dispositivo que permite ao governo aprovar um texto sem a necessidade de apreciação pela Assembleia Nacional (Parlamento) deu ao líder centrista a pecha de autoritário.
Não bastasse a medida extremamente impopular, por ferir direitos sociais, os franceses sentiram-se traídos pelo Palácio do Eliseu, que preferiu governar por decreto a submeter a reforma à apreciação dos eleitores. Tivesse escolhido um referendo, ou plebiscito, provavelmente Macron não teria inflamado tanto os ânimos de um país erigido na tríade da igualdade, da liberdade e da fraternidade.
Toda e qualquer ação em defesa da democracia merece aplausos. As lideranças precisam saber que somente lideram porque tal condição lhes foi concedida pelo cidadão. O mesmo povo que colocou seus governantes no poder, ainda que indiretamente, como no parlamentarismo, tem a licença para exigir mudanças de rumo e cobrar o compromissos com o bem-estar social. O Estado existe para prover a sociedade com direitos e a prerrogativa do voto. Qualquer excesso deve ser denunciado, em alto e bom som, nas ruas e nas ruas. Que nós, brasileiros, possamos aprender um pouco com os israelenses e os franceses. Para o bem de nossa democracia, tão jovem e tão testada nos últimos anos.