ANDRÉ GUSTAVO STUMPF - Jornalista (andregustavo10@terra.com.br)
Adiamento por causa de problema de saúde, não modifica a essência da visita do presidente Lula que chegará à China em momento especial para ele e os chineses. O brasileiro desembarca em Pequim como um dos principais parceiros comerciais do grande Império do Meio. E pretende aprofundar esse relacionamento, sem entrar em conflito com os Estados Unidos. Os chineses estão vivendo a experiência de fazer uma política externa capaz de constranger antigos parceiros. Xi Jimping, o líder que está inaugurando seu terceiro mandato no poder, saboreia inédita possibilidade de dar a mão aos russos e salvar a economia do vizinho gigante.
Chineses e russos jamais tiveram uma convivência tranquila. Os dois países possuem a maior fronteira comum do mundo, o que ofereceu pretexto para enfrentamentos de diversos quilates. O comunismo chinês começou a dar seus primeiros passos fortemente auxiliado por Joseph Stalin. Nikita Khruschov, seu sucessor, ao contrário, procurou uma política de distensão com os Estados Unidos e relegou o governo de Pequim a seu próprio destino. O desenvolvimento chinês recente é produto do esforço dos intelectuais do PCC em qualificar lideranças e procurar melhores alternativas tecnológicas. Os intelectuais nos altos círculos chineses estudam a União Soviética com os olhos voltados para o passado. Querem entender as razões do fracasso do comunismo no outro lado da fronteira. E não pretendem repetir o desastre.
A China sempre foi o parceiro menor no xadrez ideológico da Ásia. Mas, até o século XIX só dois países haviam alcançado o status de grande potência, China e Índia. Os dois sofreram muito com a ascensão econômica dos europeus e dos Estados Unidos. Agora, tanto um quanto outro tratam de recuperar as posições perdidas há dois séculos. A conspiração do destino, somada a boa política externa, colocou o líder chinês na posição de assegurar o contínuo funcionamento da economia russa. Se os chineses saírem da Rússia, o país desaba. Ou seja, o colosso russo passou a ser dependente do chinês.
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Trata-se de novidade que vai repercutir nas próximas décadas. A política externa norte-americana é seccionada e não consegue apontar para o longo prazo. Sofre de avanços e recuos ao sabor do ocupante da Casa Branca. A velha prática de entregar embaixadas em postos importantes no exterior a quem mais contribui para a campanha presidencial impede que haja uma continuidade nas ações da diplomacia norte-americana. As verbas do Departamento de Estado alcançam pouco mais de 10% daquelas à disposição do Departamento de Defesa.
A política externa de Washington continua a privilegiar a força, ou o big stick. Funcionou na América Latina e na Ásia em alguns períodos. Nos últimos anos, a expansão objetiva e controlada da China conseguiu se contrapor ao colosso norte-americano, que aliás financiou a expansão de Pequim na tentativa de conter a falecida União Soviética. O comunismo russo acabou, mas os chineses caminham para transformar seu país na maior economia do mundo. Os indianos, discretamente, vão escalando para se colocar entre os cinco maiores. O mundo está se virando rapidamente para o Oceano Pacífico.
O presidente Lula dispõe da assessoria experiente do embaixador Celso Amorim. Ele já exerceu o cargo de Ministro de Relações Exteriores e possui larga experiência no trato das questões internacionais do país. Ele gosta do que faz. Está à vontade no cargo de assessor do presidente para assuntos de relações exteriores. Conhece os principais atores da política externa. É o momento de avançar no relacionamento com o governo de Pequim, que começou em 1974 numa jogada ambiciosa do presidente Ernesto Geisel e de seu chanceler Azeredo da Silveira.
Esse é o momento de desfrutar a relação especial entre um sul-americano, que pretende ascender nas relações internacionais, e o gigante asiático que deseja ser visto como nova fonte de poder político e econômico. O aprofundar das relações entre os dois grandes possui ingredientes capazes de modificar substancialmente as relações econômicas, comerciais e diplomáticas neste canto de mundo. E oferece aos chineses perspectivas interessantes de abastecimento de matérias-primas pelas próximas décadas. Trata-se de um cenário diferente, desafiador e absolutamente novo para estudiosos de várias partes do planeta. E, em especial, para os direitistas brasileiros que ainda falam de terra plana e não conseguem perceber que o agronegócio brasileiro vive e se expande por causa do notável desenvolvimento chinês. É preciso ter olhos de ver para enxergar a novidade.