Supremo

Artigo — Vagas no STF: necessidade de ter critérios objetivos

JOÃO BATISTA P. A. DE CARVALHO - Professor e advogado, é presidente das Faculdades Milton Campos

LUIZ RONAN NEVES KOURY - Desembargador aposentado do Tribunal Regional do Trabalho-MG, é professor da Faculdade de Direito Milton Campos

Novamente está em pauta a discussão sobre nomes para o preenchimento de vagas no STF. O tema não tem periodicidade definida, mas tem como marco político os mandatos presidenciais e, obviamente, o surgimento das vagas, cercado também de conotações políticas e ideológicas que acabam por comprometer o critério republicano da impessoalidade.

Os critérios de escolha têm previsão constitucional no art. 101, relativos à idade (35 a 70 anos), reputação ilibada, notável saber jurídico com nomeação pelo presidente da República após aprovação pela maioria absoluta no Senado. Não há necessidade de perder muito tempo na leitura do referido dispositivo constitucional para verificar que apenas a idade e o quórum de aprovação no Senado é que são requisitos rigorosamente objetivos. No mais é subjetividade pura.

Até mesmo o requisito da reputação ilibada não deve ser analisado de um ponto de vista exclusivamente legal, mas tem que ser permeado por um ingrediente ético como deverá sempre ocorrer nas questões de Estado (a escolha de ministro do STF é uma questão de Estado). Nesse ponto cabe lembrar a doutrina de Gustav Radbruch, no sempre citado no Filosofia do Direito, reconhecendo que o direito e a ética são grandezas de natureza diferente, mas que há interação em suas valorações ao dizer que, "como o verbo da justiça se faz carne no direito, assim o verbo da ética se faz carne através da moral".

O notável saber jurídico é algo extremamente controverso, a começar pela própria ideia de saber. Nietzsche, no Livro do filósofo, diz que em certo momento "os animais inteligentes inventaram o conhecimento" e "foi o minuto mais arrogante e mentiroso da História Universal". Imaginem então o saber jurídico, com o adensamento do adjetivo notável, o que acaba por representar verdadeira caricatura em alguns candidatos e escolhidos, ou melhor, eles representam verdadeira caricatura do que se entende por ou o que se imagina como sendo o significado da expressão notável saber jurídico. Provavelmente o reconhecimento público e uma biografia com uma trajetória jurídica acima da média ajudariam muito para preenchimento desse requisito.

A forma de escolha, privativa e exclusiva, realizada pelo presidente da República sem a existência de qualquer filtro institucional, contraria a ideia de uma boa prática republicana. Nos tribunais superiores, cujos membros têm inegável importância, mas cuja relevância é inferior à dos ministros do Supremo Tribunal Federal, o processo de escolha inicia-se no próprio tribunal e, em alguns casos, nas entidades de classe quando se trata de vaga do quinto constitucional. É evidente que esses aspectos não são suficientes para sanar as imperfeições, mas pelo menos servem como uma higiênica tentativa de minimizá-las.

A indicação de ministro do STF deveria ser precedida de ampla consulta à magistratura, ao Ministério Público, à advocacia e às universidades, inclusive com previsão constitucional como parte do processo de escolha como já foi defendido no passado, o que se justifica pela dimensão e natureza das questões submetidas a uma Corte Constitucional como a nossa. É claro que no debate sobre esse tema haverá lugar para se discutir sobre a possibilidade de uma consulta mais ampla e a própria adoção de novos requisitos ou exclusão dos já existentes.

É que, como se sabe, as questões submetidas ao STF são de tal complexidade e extensão que atingem toda a sociedade, versando sobre interesses que ultrapassam gerações e com repercussão na vida de todos nós. Dessa forma, em que pese a necessidade de garantir uma maior representatividade social em sua composição, o mais importante a ser observado são os critérios de conhecimento jurídico, imparcialidade e indispensável sensibilidade para as relevantes questões a serem decididas em seu âmbito na perspectiva do Estado democrático de direito.

É necessário, portanto, que os requisitos até então existentes sejam preenchidos pelos parâmetros da racionalidade e impessoalidade na escolha, levando-se a sério as janelas de subjetividade referidas anteriormente. Independentemente disso, impõe-se que se inicie um debate sério, não às vésperas do surgimento das vagas, para dotar de regras objetivas o processo de escolha do nome para compor o STF com o tratamento republicano e de questão de Estado que a escolha merece.

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