GUSTAVO MACEDO - Pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP, é professor no curso de Relações Internacionais do Ibmec SP
Na última semana, o aplicativo ChatGPT ganhou uma versão atualizada, o que acende ainda mais um alerta para os brasileiros. Afinal, cresce a pressão para o Brasil entrar de vez na discussão sobre as oportunidades que a inteligência artificial (IA) cria e os desafios que nos impõe. Entre eles, está a clara ameaça à nossa soberania digital e ao nosso direito de decidir sobre as leis que nos governam.
Com efeito, o Brasil é uma das mais vulneráveis economias emergentes quando o assunto é soberania digital. Nem o Marco Civil da Internet nem a Lei Geral de Proteção de Dados são suficientes para nos proteger dos novos riscos que surgem à democracia à medida que as tecnologias avançam de modo impressionante. Sendo assim, a nossa dependência de tecnologia e regulação estrangeira aumenta a um ritmo alarmante.
Quando o assunto é IA, o Brasil decidiu não liderar o debate. Decidimos isso ao longo dos últimos governos quando não investimos adequadamente em políticas de ciência e inovação. Optamos por isso quando decidimos pelo desencorajamento de nossos jovens de carreiras científicas, pela oferta de bolsas de pesquisa com valores e condições ruins, pelos cortes orçamentários das universidades e pela cultura empresarial arcaica de não investimento em inovação nacional.
Mesmo quando há interesse, com frequência optamos pelo atraso quando decidimos taxar as poucas iniciativas privadas em pesquisa e desenvolvimento (P&D); ou quando condenamos pesquisadores criativos a ambientes acadêmicos obsoletos. Dizemos que o subdesenvolvimento não é um acidente, é um projeto. De fato, decidimos pelo subdesenvolvimento quando escolhemos adiar a regulação positiva sobre a IA. Então, nos tornamos, novamente, reféns do que outros decidem por nós.
Saiba Mais
Estados Unidos, Europa e China lideram o que se produz e consome sobre tecnologia em inteligência artificial, seguidos por países como Japão, Índia e Israel. Em matéria de política internacional, países com longa tradição de incentivo em políticas científicas e de inovação colhem os frutos de seu investimento com juros e correção monetária em termos de dinheiro e poder. Criam o mercado: controlam a oferta e moldam sua demanda. Impõem suas regras e diminuem as chances de surgirem concorrentes.
As leis da política internacional são como as leis do mercado: países buscam acúmulo de poder como empresas buscam lucro. Não há espaço para amadorismo, improvisos ou soluções milagrosas. O planejamento é recompensado; a falta dele, punida. Quanto ao Brasil, uma vez que decidimos não ser produtores de IA, cabe decidirmos que tipo de consumidores queremos ser. Nessa escolha talvez possamos recuperar um pouco do poder do qual abrimos mão para nossos consortes internacionais.
Se o cliente tem sempre razão, devemos aproveitar períodos de concorrência internacional para aumentar nosso poder de barganha. Os grandes polos de produção tecnológica de IA estão buscando expandir suas atividades sobre economias como a brasileira. Trata-se de uma reserva de milhões de usuários e bilhões de dólares. Como um cliente disputado, devemos saber utilizar a concorrência entre vendedores para melhorar nossos preços e condições. Um exemplo de condições que podemos discutir é a questão da responsabilização e o grau de transparência, além da explicabilidade que exigiremos para o funcionamento de sistemas de IA no Brasil. O que está em jogo é nossa soberania digital.
A atual discussão sobre a regulação brasileira de IA deve levar tudo isso em consideração. O projeto de Lei 21/2020 e suas emendas seguem no Congresso com baixo interesse pela sociedade brasileira. Essa iniciativa apenas não será suficiente para regular a IA no Brasil, mas é um importante passo. Trata-se da oportunidade de buscarmos um equilíbrio entre a garantia de inovação econômica com proteção de direitos fundamentais.