crianças e adolescentes

Artigo: Olhos fechados para a violência

Há o esgoto da humanidade, as criaturas malignas que perpetram e levam a cabo os mais perversos crimes contra crianças e adolescentes. São seres demoníacos, abjetos, repugnantes, miseráveis, asquerosos, sórdidos, imundos, nefastos, indignos do ar que respiram. Uma corja que deveria ser enjaulada e nunca mais ver a luz do dia. Mas o que dizer de quem sabe ou suspeita quando desgraçados dessa laia estão em ação e nada faz? Como classificar alguém que fecha os olhos ante o martírio de meninos e meninas? Que espécie de ser humano é essa? Omisso me parece uma definição leve demais.

Não importa se é a família, a sociedade ou o Estado. Ignorar crianças e adolescentes em profundo sofrimento é permitir que o mal não apenas continue, mas chegue a um ponto sem volta. Recentemente, vimos o estarrecedor caso de Sophia, de 2 anos, em Campo Grande (MS). A menina viveu uma rotina de tortura durante mais de um ano, foi atendida 30 vezes em unidades de saúde em decorrência das agressões, e nenhum profissional da área denunciou a mãe e o padrasto dela. A negligência foi em série. Quando houve a denúncia, feita pelo pai da criança, autoridades públicas não agiram a tempo para socorrê-la. Sophia sucumbiu a outra sessão de espancamento e morreu em 27 de janeiro. O laudo mostra que ela também foi estuprada.

E como as barbáries contra crianças e adolescentes se sucedem neste país, outro caso semelhante aconteceu neste mês, no Rio de Janeiro. Quênia Gabriela tinha a mesma idade de Sophia. Ela deu entrada no hospital no último dia 9, toda machucada e já sem vida. O laudo da perícia apontou 59 lesões. É isso mesmo. O corpinho de criança tinha 59 lesões — 17 no abdômen, 16 no dorso, 12 no rosto, seis nos braços e sete nas pernas. Havia também uma grande queimadura no umbigo e sinais de que foi abusada sexualmente. Uma criança trucidada.

Assim como Sophia, Quênia foi torturada durante meses. O laudo mostra que havia lesões antigas. E ninguém no entorno dessa menina denunciou o caso. Por isso, além de prender o pai e a madrasta, a Polícia Civil do Rio indiciou cinco profissionais da creche da criança: duas donas do estabelecimento, uma professora e duas cuidadoras. Elas foram enquadradas no artigo 26 da Lei Henry Borel: "Deixar de comunicar à autoridade pública a prática de violência, de tratamento cruel ou degradante ou de formas violentas de educação, correção ou disciplina contra criança ou adolescente ou o abandono de incapaz". A pena é de seis meses a três anos.

Manter crianças e adolescentes a salvo de toda forma de violência é dever da família, da sociedade e do Estado. A Constituição assim determina, em seu artigo 227. E nem deveria haver leis para isso. Mas, como vemos rotineiramente, são necessárias, sim, ante o silêncio negligente de quem poderia fazer a diferença na vida de tantos vulneráveis.

Não vire o rosto para violência contra meninos e meninas. Se souber ou suspeitar de maus-tratos, faça o registro em delegacia, conselho tutelar, no Disque 100 ou apps Direitos Humanos e Proteja Brasil. A sua denúncia pode salvar uma vida.

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