IGOR GALO - Diretor de Comunicação para a América Latina da IE University
"Quando um produto é gratuito, o produto é você." Esse tem sido o axioma que tem servido por muitos anos para explicar o bem-sucedido e controverso modelo de negócios do Google e do YouTube (Alphabet), do Facebook e do Instagram (Meta) e do TikTok chinês, entre outros serviços de redes sociais, aplicativos e conteúdo da internet. Essas empresas oferecem seus serviços "de graça" em troca de o usuário lhes fornecer uma grande quantidade de dados pessoais, desde sua localização física até seus hábitos de compra, seu estado de espírito e suas crenças pessoais.
Embora isso seja verdade, não descreve completamente o verdadeiro modelo de negócios das empresas. Alfabeto, Amazon, Meta e Bytedance, entre outros, baseiam seus modelos operacionais no fato de que grande parte da infraestrutura necessária para gerar seus prósperos negócios também é paga pelo usuário por meio de suas contas telefônicas ou recarga de celular. Ou seja, o usuário paga duas vezes: com seus dados e em sua conta telefônica.
As empresas de telecomunicações, que há 20 anos estavam entre as companhias mais influentes e relevantes do mundo, tornaram-se até certo ponto meros intermediários entre o usuário e os provedores de serviços on-line, apesar de seus esforços para agregar valor a seus serviços (tevê e streaming, seguros de telefonia móvel, serviços de vigilância por vídeo). Esse fato explica, juntamente com o aumento da concorrência no mercado de acesso à internet, porque, durante as últimas décadas, muitas dessas empresas perderam parte de seu valor no mercado e mantiveram seus lucros estáveis.
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As grandes empresas de telecomunicações, especialmente as europeias, como a Orange, a Telefônica e a D-Telekom, vêm cobrando, há anos, das bigtechs o pagamento de parte do desenvolvimento das redes de telecomunicações. Essa mudança iria contra o princípio de neutralidade da rede, em que a Internet tem se baseado desde sua criação e que é central para muitos dos modelos de negócios das empresas digitais.
Cada vez que Vivo, Claro, Tim, Digicel ou Tigo, para citar algumas empresas latino-americanas, expandem a capacidade de conexão com novas infraestruturas (cabo, fibra, torres), metade desses novos "tubos de dados" são ocupados por bytes de gigantes globais como Netflix, TikTok, YouTube e Instagram. Essas empresas são quase inteiramente dos Estados Unidos e cada vez mais da China.
Esse fator está se tornando mais relevante em um ambiente geopolítico cada vez mais complicado. Thierry Breton, comissário para o Mercado Interno e Serviços da Comissão Europeia, um dos ministros mais relevantes do governo da União Europeia, declarou no recente Congresso Mundial Móvel em Barcelona que "precisamos encontrar um modelo de financiamento para os enormes investimentos em um campo de atuação justo e competitivo".
Se as bigtechs, que geram a maior parte dos dados que fluem por intermédio de cabos e antenas, pagassem por parte do hardware, as repercussões poderiam ser muito significativas. Do ponto de vista das operadoras de telefonia convencionais, esse modelo lhes permitiria investir mais, aumentar as receitas e lucros ou ambos ao mesmo tempo.
Por sua vez, os consumidores poderiam se beneficiar de maior velocidade e de uma implantação de rede de maior qualidade e ver as contas telefônicas diminuir, ou uma combinação de ambas. Parte do custo seria repassado para os gigantes da tecnologia, que teriam de suportar o custo por meio de preços mais altos, maior eficiência ou lucros menores.
Quem tem a capacidade de conduzir uma mudança tão importante quando as principais empresas digitais são gigantes sediadas nos Estados Unidos (EUA) e na China? Os titãs tecnológicos são grandes negócios, mas também uma grande fonte de poder para os países que os abrigam. Cobrar dessas empresas um pedágio pelo uso das redes criaria atrito com as duas potências. Somente a União Europeia (UE), também uma gigante econômica global, pode ousar colocar o debate em cima da mesa.
E o que isso tem a ver com a velocidade da internet e a integração dos países ibero-americanos? Muita coisa. Nenhum país ou governo ibero-americano tem atualmente capacidade própria para levantar tal possibilidade contra as bigtechs. Em um mundo que se fragmenta em blocos e com gigantes tecnológicos que continuam a crescer em tamanho e influência, esse é um claro exemplo dos benefícios para a Ibero-América ter uma voz comum para negociar em campos que definirão as sociedades e as economias do futuro.