EDITORIAL

Visão do Correio: Crise bancária não impede controle da inflação

A crise financeira que teve início nos Estados Unidos, com a quebra do Silicon Valley Bank (SVB), entendeu-se pela Suíça, com a derrocada do gigante Credit Suisse, e pode engolfar outros mercados está longe de acabar. A missão dos principais bancos centrais do mundo de tentar reduzir ao máximo os estragos que estão por vir será enorme e exigirá parcerias com os governos, seja para reforçar a regulação bancária, seja para promover apertos fiscais. Ao contrário de 2008, quando o terremoto provocado pelo Lehman Brothers resultou em destruição de riqueza global e as autoridades monetárias foram obrigadas a fazerem injeção maciça de recursos na economia, por meio do chamado quantitative easing, agora, há outra ameaça no meio caminho, a inflação.

Como bem ressaltou a presidente do Banco Central Europeu (BCE), Christine Lagarde, na quinta-feira passada, o enfrentamento de uma crise financeira não tem nada a ver com aumento dos juros para conter a carestia. São duas ações completamente distintas, o que exigirá outros mecanismos para manter o bom funcionamento do sistema bancário e dos mercados. Não por acaso, o BCE elevou o custo do dinheiro em 0,5 ponto percentual, apesar da gritaria contra a instituição. Lagarde está certa de que o crédito sentirá o peso desse aperto, e muita gente ficará no meio do caminho. Caso, no entanto, a inflação continue subindo — está próxima de 9% na média da Europa —, todos sofrerão. Portanto, a hora é de proteger a maioria. E é isso que também fará o Federal Reserve (fed), o BC dos Estados Unidos, nesta quarta-feira, ao subir os juros em ao menos 0,25 ponto.

É importante ressaltar, que o Fed tem uma enorme parcela de culpa pela atual crise bancária norte-americana. Quatro anos atrás, ainda no governo de Donald Trump, flexibilizou uma série de regras de segurança para as pequenas e médias instituições, que foram muito além do que as boas práticas exigem. Agora, a autoridade monetária dos EUA não só terá de tornar a regulação mais restritiva, como precisará promover um amplo processo de enxugamento do sistema, com fusões e aquisições. Essa consolidação ocorreu, por exemplo, na Espanha, na crise de 15 anos atrás. Os bancos regionais se fortaleceram, reduzindo o risco de abalos sistêmicos. Nos EUA, há milhares de pequenas instituições, uma pulverização perigosa.

No Brasil, ao que tudo indica, o custo da nova crise financeira tenderá a ser menor, primeiro, porque os grandes bancos estão muito sólidos, com excesso de capital de segurança, segundo, porque os juros estão alto demais, em 13,75% ao ano. É esse fator, inclusive, que vem segurando o real frente ao dólar. Enquanto as moedas dos principais países emergentes perdem valor, a divisa brasileira tem conseguido se segurar entre R$ 5,20 e R$ 5,25 por dólar. Ainda vale muito a pena para os investidores trazerem recursos para o Brasil e aplicarem em títulos públicos, a despeito da subida do custo do dinheiro na Europa e nos EUA.

Esse fator tende a ser considerado pelo Banco Central do Brasil neste momento de definição dos rumos da taxa Selic. Há uma piora das expectativas de inflação, mas o horizonte da atividade econômica é ruim, o que tende a conter os aumentos de preços. O BC de Roberto Campos Neto pesará uma série de fatores para tomar decisões num quadro de pressões por todos os lados. Não será surpresa, por sinal, se a instituição recorrer a um mecanismo que foi aprovado em meio ao Orçamento de guerra, durante a pandemia do novo coronavírus. O BC recebeu autorização para comprar títulos privados e irrigar o mercado em caso de travamento do crédito. Indicar isso, porém, terá seus custos, pois pode ser visto como um sinal de que os problemas nos mercados vão muito além do que se imagina. Tempos complexos exigem cuidados redobrados e união entre os formuladores de leis e aqueles que as executam.

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