Opinião

Artigo: Armas de fogo, homicídios e feminicídios no Distrito Federal

Então podemos concluir que, se o número excedente de armas de fogo circulando não melhorou a segurança da cidade, tampouco piorou? Infelizmente não funciona assim

RAONI MACIEL — Promotor de Justiça, é coordenador do Núcleo do Tribunal do Júri e de Defesa da Vida

A Polícia Civil divulgou os números dos homicídios cometidos com armas de fogo nos últimos quatro anos dentro do Distrito Federal. Segundo tais números, em 2019 contaram-se 409 homicídios cometidos com arma de fogo e teria havido uma redução importante ao longo do quadriênio, alcançando então 263 ocorrências desse tipo em 2022. Ou seja, uma queda de cerca de 35% dos homicídios cometidos com arma de fogo no Distrito Federal no período.

Tendo em vista que esse período coincide com a edição de decretos do Poder Executivo federal que ensejaram um afrouxamento nos requisitos para a compra de armas de fogo, houve quem apontasse um suposto efeito benéfico na maior circulação de armas de fogo legalizadas.

Contudo, no mesmo período, segundo os números fornecidos pela Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal, houve, também, redução no número total de homicídios cometidos no Distrito Federal, independentemente da arma usada. Segundo esses números, foram 418 homicídios cometidos em 2019 em face de 275 homicídios cometidos em 2022. Uma redução de cerca de 34%.

Ou seja, o que aconteceu nesse período não foi uma redução no número de homicídios cometidos com arma de fogo, cuja percentagem continuou praticamente estável. O que tivemos foi uma redução no número total de homicídios. Tanto os cometidos com arma de fogo quanto os cometidos com outras armas.

Poder-se-ia dizer, então, que a política de liberalização do porte de armas de fogo gerou uma redução global no número de homicídios no Distrito Federal? Não, pois a queda no número de homicídios experimentada nos últimos quatro anos iniciou-se há uma década. Em 2013 foram 792 homicídios consumados, que, comparados com os 275 registros de 2022, apontam uma queda de incríveis 65% nos números de vítimas no Distrito Federal no período.

Vê-se, pois, que, bem analisados os números, a redução dos homicídios no Distrito Federal nos últimos quatro anos deu-se naqueles cometidos com armas de fogo tanto quanto e, na mesma medida, daqueles cometidos sem armas de fogo. Houve queda linear no número de homicídios dentro do Distrito Federal, independentemente da arma utilizada.

Mais que isso, a queda iniciou-se em 2013 e, desde então, mantém-se no Distrito Federal um padrão consistente de redução nos homicídios. Ou seja, se essa queda for decorrente de alguma política pública, não pode ser uma política implementada somente nos últimos quatro anos.

Pois bem. Então podemos concluir que, se o número excedente de armas de fogo circulando não melhorou a segurança da cidade, tampouco piorou? Infelizmente não funciona assim. A despeito de não ter havido incremento nos homicídios cometidos com armas de fogo, há outro número divulgado pela Secretaria de Segurança Pública que deve ser visto com atenção: a quantidade de feminicídios cometidos com armas de fogo legalizadas.

Conquanto feminicídios sejam cometidos das mais diversas e odiosas formas e meios, a arma de fogo incrementa o risco de consumação do delito em decorrência de sua letalidade. Sim, às vezes o óbvio precisa ser dito: nenhum instrumento mortífero que se encontre dentro de uma residência é tão letal quanto uma arma de fogo. Entre a cogitação, a execução e a consumação do crime, quando uma arma de fogo é utilizada, resta pouco ou nenhum espaço para a desistência voluntária e o arrependimento eficaz.

Os números são alarmantes: em quase metade dos feminicídios cometidos com uso de arma de fogo, a arma era considerada legalizada. Quem a adquiriu havia cumprido os requisitos então vigentes para possuir uma. Ou seja, para além de não representarem incremento de segurança pública nas ruas, como os números já nos mostram, as armas tornaram-se mortais dentro de casa. E três em cada quatro feminicídios são cometidos dentro de uma residência.

Concluo lembrando que a decisão sobre os requisitos para o porte de arma de fogo é política, atribuição exclusiva do Congresso Nacional. A decisão sobre ter uma arma de fogo, satisfeitos os requisitos legais, será sempre do cidadão.

Nós, profissionais de segurança pública, temos a obrigação ética de subsidiá-los, ambos, para que estejam bem informados ao tomarem essas decisões. Se possível, contribuir para que elas estejam fundadas mais em evidências que nos interesses comerciais de uma indústria que movimentou o equivalente a R$ 3 trilhões no mundo em 2021.

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