Opinião

Artigo: O assédio está no paredão

Infelizmente, foi preciso que essas cenas cotidianas se replicassem em um reality show para que o tema ganhasse uma importante lente de aumento

As cenas reais de uma mulher sendo importunada sexualmente por dois homens foram expostas em rede nacional, em um dos programas de maior audiência e repercussão da televisão brasileira. O assunto gerou forte discussão entre os internautas. Os patrocinadores não gostaram e entraram em campo, exigindo uma atitude rígida da emissora, que eliminou os rapazes, sumariamente, do programa. 

A vítima em questão, consultada diante de câmeras, negou que tenha se sentido desconfortável, ainda que as cenas presenciadas pelo Brasil inteiro dissessem o contrário. Mas, no âmbito criminal, a Polícia Civil abriu inquérito para apurar se houve a importunação sexual descrita na Lei 13.718/18 do Código Penal. 

É verdade que episódios semelhantes ocorrem diariamente nas principais baladas e, na maioria das vezes, ficam por isso mesmo. É algo comum, banal, normal. Quando não colocam a culpa na bebida, apela-se para a dinâmica que envolve o jogo de sedução.

Ficou estabelecido — Deus sabe por quem — que os homens devem cumprir o papel de caçador e as mulheres se posicionarem como a presa difícil de ser conquistada. A sociedade determinou que se criasse este fluxo patético em que a naturalidade e a espontaneidade de um flerte se perca nesse script pra lá de datado.

Nesse storytelling conservador, meninos são criados para serem machos alfa e meninas para serem moças recatadas — e ai de quem se atreve a escapar desse ciclo tóxico. Afinal, eles podem ter a masculinidade questionada e elas serem rotuladas com aqueles adjetivos que remetem à profissão mais antiga do mundo. E é a reprodução dessa bobagem secular que perpetua, valida e estimula tais atitudes que, ainda bem, estão sendo desconstruídas, pelo menos pela mídia.

Infelizmente, foi preciso que essas cenas cotidianas se replicassem em um reality show para que o tema ganhasse uma importante lente de aumento. Porque, sim, é preciso falar sobre assédio — que ocorre quando há uma hierarquia como instrumento de intimidação — e importunação sexual. Urge a necessidade de que a sociedade doutrinada pelo patriarcado compreenda o peso do problema.

Mulheres são vítimas diárias do machismo enraizado e relativizam a situação, minimizando o desconforto que sentem, em nome de alguns medos — seja o de se expor, o de prejudicar um amigo ou mesmo o de ser perseguida por um assediador que, de alguma forma, possa materializar um perigo concreto.

Contudo, elas precisam reagir. Não dá para ser respeitosa com quem a desrespeita. Não se romantiza beijo roubado, nem uma supostamente inocente mão boba. Por ser participante de um reality show, a protagonista do episódio que mobilizou o país estava protegida, de certa forma, de algo pior.

Não é o caso de tantas que saem de casa anonimamente para se divertir em uma festa e precisam lidar com engraçadinhos que acham que, por ser jeitosinha e estar usando uma roupa curta, é um pedaço de carne e esteja ali para satisfazer a lascívia deles.

"Está chato ser homem. Agora tudo é assédio", eles dizem. Nem tudo, meus caros. Mas quando elas dizem não, é importunação sexual. É crime. E ser mulher tem sido chato há séculos.

 


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