Candomblé

Artigo: Tradições das raízes de matrizes africanas

LEILA LIMA - Mãe Leila, mestra Auaracyara, servidora pública, sacerdotisa da Ordem Iniciática do Cruzeiro Divino no DF e da Casa Luz de Yorimá

Pular as sete ondas na praia e fazer oferendas a Iemanjá. Distribuir doces para crianças no dia de Cosme e Damião ou pedir a proteção de Oxalá, que representa Jesus Cristo no sincretismo religioso. Isso sem falar do samba, da comida e da capoeira. As religiões de matrizes africanas estão impregnadas na cultura brasileira e, agora, assim, como fiéis de outras religiões, também terão um dia para comemorar sua fé. A partir deste ano, o 21 de março será feriado para celebrar o Dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé. A data foi transformada em feriado pela Lei nº 14.519, de 5/1/23, aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A data escolhida para a comemoração, 21 de março, também é o Dia Internacional contra a Discriminação Racial, marco estabelecido pelas Nações Unidas, tendo como referência o episódio que ficou conhecido como Massacre de Shaperville, em 1960, na África do Sul. O massacre envolveu aproximadamente 20 mil sul-africanos que protestavam contra a determinação imposta pelo governo da época de limitar os locais onde a população negra poderia circular. Em resposta à manifestação que era considerada pacífica, militares reprimiram violentamente o protesto, matando 69 pessoas.

A cultura brasileira tem muito das religiões de matrizes africanas, embora elas ainda sofram preconceito. A criação de uma data, além do reconhecimento, é uma forma de combater o racismo e os ataques dos quais diariamente somos vítimas. O Brasil registra três casos de intolerância religiosa por dia.

O art. 5º, inciso VI, da Constituição Federal estabelece que "é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias". O que infelizmente nunca impediu severos ataques às religiões afro-brasileiras.

Em Brasília, a Praça dos Orixás, que exibe 16 estátuas representando divindades africanas,  sofreu inúmeros ataques de intolerância religiosa. A estátua de Oxalá foi depredada em 2015. Depois, foi a imagem de Ogum, que até hoje não foi restaurada. Ao todo, são cinco estátuas depredadas. Vale destacar que o local é patrimônio tombado, mas se encontra abandonado pelo poder público.

O Distrito Federal tem 330 terreiros de religiões de matriz africana. O mapeamento dos terreiros foi realizado em 2018 numa parceria entre a Fundação Palmares, o Ministério da Cultura e a Universidade de Brasília. Busca-se com isso desenvolver políticas públicas para os terreiros e combater a intolerância religiosa.

A capital do país tem uma longa lista de ataques a terreiros de umbanda e candomblé. Em 2015, três terreiros foram depredados, o ataque mais grave foi no terreiro Ylê Axé Oyá Bagan, da yalorixá Mãe Baiana, incendiado na madrugada do dia 11 de novembro. No entanto, acredita-se que haja uma subnotificação e que o número seja superior ao informado.

Para Mãe Baiana de Oyá, é fato que o medo toma conta das comunidades de terreiro, e também um certo cansaço histórico. "Todo ano é a mesma página, escrita da mesma forma (...)" "O povo de terreiro está cansado, tanto que não procura mais a Justiça. É o cansaço de não ser atendido, de não ser visto."

Em abril de 2020, o ataque a uma sacerdotisa veio de Sérgio Camargo, então presidente da Fundação Palmares. Após referir-se ao movimento negro como "escória maldita" e "vagabundos", ofendeu Mãe Baiana e representantes das religiões afro-brasileiras. Na oportunidade, nossa casa, a Ordem Iniciática Cruzeiro Divino, ao mesmo tempo em que repudiou as afirmações racistas de quem deveria encabeçar a luta contra a discriminação racial no país, lançou a campanha "Somos todos Mãe Baiana — antifascista".

O governo do presidente Lula traz esperança ao povo de santo. Tão logo tomou posse, Lula sancionou a lei que aumenta a pena para o crime de injúria racial. Com a nova lei, o crime de intolerância religiosa e racismo passa a ser punido com reclusão de dois a cinco anos, punição que será dobrada em caso de reincidência. Antes, a punição era de um a três anos.

A nova legislação se alinha ao entendimento do Supremo Tribunal Federal que, em outubro passado, equiparou a injúria racial ao racismo, crime inafiançável e imprescritível. Pela nova lei também será punido o crime de racismo praticado na internet e nas redes sociais. Agora é esperar que, com leis mais rigorosas e as bençãos de todos os orixás, o abjeto crime de racismo seja finalmente extirpado do país.

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