FÁTIMA SOUSA - Enfermeira sanitarista, doutora em ciências da saúde, é professora da Faculdade de Saúde da Universidade de Brasília
O feminicídio nunca esteve tão presente entre nós. A grande mídia impressa anuncia nossas mortes todos os dias em suas capas de jornal. De 1º de janeiro até o dia 5 de março, foram 1.357 matérias publicadas em 56 veículos distintos no Brasil, sendo 580 delas em portais de notícias e 387 somente no Distrito Federal. Das 18 capas de jornal falando sobre feminicídio no país, 15 foram no DF, que teve 244 notícias jornalísticas publicadas com esse mesmo conteúdo.
Nas matérias e suas capas de primeira página, o que se pode ler é a denúncia do silêncio intercorrente do Estado em torno da violência que se alastra na sociedade machista, patriarcal e preconceituosa que se omite a cada grito de socorro velado entre olhares desviados ou apelos desconsiderados. Um Estado onde a banalidade do mal persiste, apesar dos alertas que nos foram dados por Hannah Arendt.
Estamos cada vez mais expostas aos holofotes e nos tornamos as peças mais badaladas do cenário de horrores que se tornou o sacrifício de mulheres, em especial, as mais jovens, embora nenhuma de nós escape da "seleção" de nosso gênero pelos algozes mais cruéis na face da terra: aqueles que deveriam ser nossos companheiros, pais de nossos filhos, parceiros de todas as horas. Sim, o sapo nem sempre vira príncipe encantado e nos fazem felizes para sempre. Ele permanece sapo e dos mais venenosos, a nos matar com seu ódio por estarmos vivas. Já nos avisava Cássia "[...] quem sabe o príncipe virou um chato [...]".
Estamos à mercê do nosso algoz, que poderia ser educado desde sua origem familiar, assim nos ensinou Nelson Mandela: "Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender e, se podem aprender a odiar, elas podem ser ensinadas a amar". Precisamos investir numa educação promotora da paz e não violenta, onde as crianças sejam orientadas a não se tornarem cidadãos esculpidos na ginofobia (medo de mulher), no ódio, na violência e na dor que se estendem a todas as pessoas obrigadas a enterrarem suas filhas, irmãs, mães, tias, sobrinhas e amigas.
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Se, por um lado, as agressões físicas, morais e o medo da morte consomem muitas de nós diariamente; por outro, estão aquelas que não têm sequer tempo de fuga, pois são atropeladas, afogadas, enforcadas, baleadas, esfaqueadas, espancadas até a morte. Enquanto isso, aguardamos a celeridade das medidas protetivas, da ação policial, da assistência integral isenta de pré-julgamentos, de uma escola comprometida com a pedagogia da amorosidade e da tolerância como nos ensinou o mestre Paulo Freire.
Ainda tenho fé em assistir a mudanças significativas como a que alcançou a minha geração com a incorporação da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340, de 7/8/2006) em nossas vidas, mas ainda é pouco. Afinal, por que nos matam? Matam porque os homens são frequentemente considerados superiores a nós, mulheres, o que leva a uma tolerância à violência contra as mulheres e à ideia de que elas são propriedade deles.
A violência doméstica é outro agravante recorrente da falta de proteção que começa dentro de casa e alcança as ruas e locais públicos. Nos matam ainda pela carência de serviços de proteção, como abrigos para vítimas de violência doméstica ou medidas protetivas mais severas, o que deságua na impunidade entre os agressores, portanto, a prevenção ao feminicídio é matéria complexa, mas algumas medidas podem nos ajudar.
É importante promover a educação sobre a igualdade de gênero e a prevenção da violência desde as escolas, o que pode estimular a mudar a cultura e atitudes que toleram a violência doméstica. Proteção e apoio são fundamentais assim como a responsabilização, quando os crimes sejam investigados e punidos com rigor.
Além disso, é importante promover o empoderamento das mulheres, oferecendo oportunidades educacionais e econômicas, encorajando-as a assumir papéis de liderança na sociedade e ocupando espaços de poder para formularem as políticas públicas em defesa da ética da vida. E, não menos importante, é preciso mobilizar a sociedade para a prevenção do feminicídio, por intermédio de campanhas de conscientização, debates públicos e outras iniciativas que promovam a mudança de atitude em relação à violência contra as mulheres, pois o fim do feminicídio é responsabilidade de toda a sociedade.