GOVERNO BOLSONARO

Análise: joias enviadas a Jair e Michelle Bolsonaro mostram a importância da estabilidade

Vendo as imagens do diálogo, ocorrido no apagar das luzes da gestão Bolsonaro, fica a certeza de que a carteirada só não deu certo porque o servidor da Receita tinha a segurança para poder tomar a decisão correta sem correr o risco de demissão

O caso das joias enviadas de presente pela Arábia Saudita a Jair e Michelle Bolsonaro merece algumas reflexões. A primeira delas é sobre a importância da estabilidade no serviço público. A divulgação das imagens da alfândega no Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, mostra a ação de dois servidores.

Um militar da Marinha, cumprindo ordens superiores, tenta convencer um auditor fiscal a liberar as joias dadas pelos árabes. Vendo as imagens do diálogo, ocorrido no apagar das luzes da gestão Bolsonaro, fica a certeza de que a carteirada só não deu certo porque o servidor da Receita tinha a segurança para poder tomar a decisão correta sem correr o risco de demissão.

Isso só ocorre graças à estabilidade funcional. Não fosse ela, teríamos visto mais uma exoneração por desagradar autoridades ou alguém intimidado a agir de forma contrária à lei — coincidentemente ou não, o ex-secretário da Receita Federal José Barroso Tostes Neto foi tirado do cargo pouco mais de um mês depois que o ex-ministro Bento Albuquerque (Minas e Energia) e um assessor tentaram entrar ilegalmente no país com joias vindas da Arábia Saudita.

Nunca é demais lembrar que uma dos pontos da reforma administrativa proposta pelo governo Bolsonaro era acabar com estabilidade para novos servidores, garantida pela Emenda Constitucional nº 19. Entre os argumentos apresentados pelo ex-ministro Paulo Guedes (Economia) era de que, no Brasil, mais de 90% dos servidores têm a garantia de emprego. "Lá fora é o contrário, menos de 5% têm estabilidade no emprego. Nós não queremos tanto, nós só queremos que haja avaliações para o ganho da estabilidade", defendeu Guedes, em maio de 2011, em audiência no Congresso, afirmando ainda que delegados e auditores teriam direito ao benefício.

Os defensores do fim da estabilidade costumam argumentar também que ela é a garantia da ineficiência no serviço público. Não vejo assim. Sou favorável a avaliações periódicas dos servidores, mas nunca devem ser utilizadas para permitir o revanchismo ou punição por ter uma orientação política diferente do superior.

O caso das joias também mostra a importância da lupa jurídica nos últimos atos do governo anterior. Nas imagens divulgadas do diálogo no aeroporto de Guarulhos, o sargento da Marinha diz ao auditor da Receita que a tentativa de retirar as joias tem a ver com o fim do governo Bolsonaro. "Isso aqui faz parte da passagem, não pode ter nada do (governo) antigo para o próximo. Tem que tirar tudo, tem que levar, não pode." Agora, é acompanhar a investigação aberta pela Polícia Federal e aguardar as próximas revelações. Essa história está longe do fim.

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