André Gustavo Stumpf - Jornalista
No mundo desenvolvido, os civis determinam os objetivos estratégicos de um país. No Brasil não tem sido assim, desde a Proclamação da República, uma conspiração militar articulada com alguns paisanos para derrubar o imperador, em 1889, e instalar um marechal no posto de presidente da República. Esse início de maturidade nacional terminou por colocar militares de diferentes patentes em posição de mando na política nacional ao longo dos últimos 100 anos.
O fenômeno não é novo, apenas se tornou mais ostensivo no governo Bolsonaro. O ex-presidente nunca pertenceu a uma corrente político-partidária definida. Ele sempre foi um militar da reserva que se aproveitou da política. Passou a receita para os filhos. E de partido em partido, conseguiu chegar à Presidência da República sem respaldo de qualquer legenda. As consequências chegaram rapidamente. Ele encheu o governo de militares, inclusive policiais e bombeiros. Radicalizou aquela tendência anterior.
O presidente Lula, ao contrário, nasceu na luta política sindical, em São Paulo, no extraordinário período de expansão da indústria nacional, no período chamado de substituição de importações. O caminho dele ocorreu na negociação e discussão dentro do Partido dos Trabalhadores e legendas aliadas. Aconteceu, no entanto, que as duas linhas se cruzaram como consequência da eleição de 2022. Os militares assumiram uma exposição pública além do razoável. Estão sendo contidos pela ação natural dos novos agentes políticos que venceram o pleito.
Não se trata de projeto político, mas de circunstâncias, recentíssimas, da política nacional. O ministro Alexandre de Moraes determinou que todos os indiciados nos trágicos acontecimentos ocorridos no último dia oito de janeiro sejam apreciados e julgados pelo Supremo Tribunal Federal. Havia militares naquela sedição que serão julgados por civis. Isso é novidade na história do Brasil. A antiga tradição indica que os problemas deveriam ser varridos para debaixo do tapete e rapidamente esquecidos. Essa é a lógica de impor sigilo de 100 anos para assuntos desagradáveis. Os arquivos da escravidão foram queimados para não remanescerem nos registros da história oficial. Do ponto de vista oficial, a escravidão não existiu.
Em outro segmento, o presidente Lula decidiu colocar a Agência Brasileira de Informações (Abin) na alçada da Casa Civil. Retirou dos militares a responsabilidade sobre o setor onde exerciam uma espécie de monopólio informal. Só eles tinham informações confidenciais e sigilosas de alta relevância sobre o país e seus aliados. Esse detalhe não impediu que as agências norte-americanas de informação tivessem livre acesso a documentos e informações pessoais do mais alto nível do governo Dilma Rousseff. O escândalo das roubalheiras na Petrobras foi revelado em primeiro lugar para olhos e ouvidos curiosos no grande vizinho do norte.
Tramita no Congresso projeto de emenda constitucional destinado a modificar a redação do famoso artigo 142 da Constituição Federal. Alguns exegetas militares entendem que o dispositivo lhes concede o poder moderador, que existiu na Monarquia. Era exercido pelo imperador. Seria o poder de arbitrar divergências e, em última análise, intervir na política nacional para garantir a estabilidade das instituições. Os constituintes de 1988 jamais cogitaram dessa hipótese. Mas é necessário reafirmar o óbvio. Na República não existe o poder moderador.
Os espanhóis enfrentaram problemas semelhantes depois da queda da ditadura de Francisco Franco. Os portugueses viveram algo parecido após a morte de Antônio de Oliveira Salazar, cujo governo era fundamentado em três bases: fé, fado, futebol.
Versão lusa de Deus, Pátria e Família. Tudo era proibido e fiscalizado pela rígida Polícia Internacional de Defesa do Estado (Pide). A solução, tanto em Madri quanto em Lisboa, foi acomodar os militares dentro de linhas de convivência conhecidas e respeitadas. Aliás, sistema semelhante funciona com sucesso há muitos anos nos Estados Unidos, onde os paisanos controlam os fardados. E ninguém reclama.
O presidente Fernando Henrique Cardoso criou o Ministério da Defesa, um órgão civil para controlar os militares, como ocorre em todos os países da Europa Ocidental. O recente exemplo russo de deixar as decisões bélicas nas mãos de militares mostrou a extensão do desastre. FHC conhecia a famosa definição de George Clemenceau: "A guerra é coisa importante demais para ser deixada por conta dos generais".
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