Opinião

Artigo: Representatividade negra nos espaços de poder e de decisão

Destaco que a democracia, efetivamente, nunca existiu para a comunidade negra no Brasil. Sem oportunidades, poucos nem sequer sonharam em conquistar espaços de fala e de poder

REGINETE BISPO — Socióloga, deputada federal pelo PT-RS

Na recente tentativa de golpe à democracia culminada com a invasão das sedes dos três poderes constituídos, em 8 de janeiro, é possível perceber a herança autoritária que permeia o processo histórico de quase quatro séculos de escravidão de homens, mulheres e crianças negras. A democracia, como exercício do poder político por parte do povo, não tem valor para uma parcela da população que a usufrui em defesa dos seus interesses particulares. A não aceitação do resultado eleitoral de 30 de outubro de 2022 se materializa em forma de ataque à nossa jovem democracia. Armaram ataques com falsas notícias e os efetivaram com a invasão e depredação dos prédios públicos e do patrimônio físico e cultural da nação.

Destaco que a democracia, efetivamente, nunca existiu para a comunidade negra no Brasil. Sem oportunidades, poucos nem sequer sonharam em conquistar espaços de fala e de poder. Enquanto as forças de segurança, com a lógica do racismo estrutural, atuam como braço armado do Estado na contenção de corpos negros, a fim de manter o privilégio branco, o status quo, tirando a possibilidade de ascensão da população negra — racismo estrutural enraizado em organizações e instituições públicas e privadas.

Como uma parlamentar negra comprometida com a luta histórica do movimento social negro, representando o Rio Grande do Sul na Câmara dos Deputados, temos como tarefa primordial acabar com a invisibilidade e com o silenciamento de vozes e corpos dos negros, dentro dos processos de lutas democráticas por justiça social e racial.

O racismo institucional é tão evidente que foi apenas este ano que a primeira deputada negra do Brasil, Antonieta de Barros (1901-1952), ingressou no livro de heróis da pátria. Ela era professora e foi deputada estadual em Santa Catarina nas décadas de 1930 e 1940. Foi a primeira negra a assumir um mandato popular no Brasil, estando entre as três primeiras mulheres eleitas na história brasileira. Apesar de toda essa relevância histórica, o reconhecimento vem 71 anos após sua morte e 34 após a criação do livro.

Temos muitos desafios pela frente na luta pela construção de um Brasil sem racismo, sem machismo e sem fome. Tirar as mulheres, principalmente negras, da invisibilidade histórica é mais do que tarefa, é reparação histórica. Nossas irmãs e ancestrais vêm há muito tempo construindo nosso planeta e nossa nação. Neste país de maiorias negras, se pensarmos sobre as demandas por reparação histórica, vivenciamos os resultados das desigualdades raciais cotidianamente. Sendo que temos apenas 134 anos de abolição inconclusa da escravatura no Brasil.

Observando dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2019, nota-se que o racismo está evidente também em números. Pretos e pardos representam 56% da população e ocupam menos de 30% dos cargos de gerência nas empresas brasileiras. Entre os mais pobres, os negros são muitos: entre os 10% dos brasileiros com menor renda familiar mensal, 75% são negros. Entre os que morrem, eles são maioria: uma pessoa negra tem 2,7 vezes mais chances de ser vítima de homicídio que uma pessoa branca.

A radiografia racial da eleição para os parlamentos estaduais e federais de 2022 aponta que o Brasil elegeu 517 parlamentares autodeclarados negros. O número representa 32,3% dos deputados federais, estaduais e senadores que assumiram os mandatos em 2023. Ainda somos poucos, se comparados aos 56,1% de habitantes autodeclarados pardos e pretos no país. Há necessidade de avançar no processo de verificação por meio de heteroidentificacão para termos dados confiáveis quanto à presença negra no parlamento brasileiro. Sinto ares de esperança.

Esperançar é o verbo do momento. Ainda temos muitos desafios, mas o retorno de pautas fundamentais nos anima e incentiva. Como a recente posse presidencial com representatividade do povo. A volta do Ministério das Mulheres e dos Direitos Humanos. A posse de mulheres em cargos estratégicos de estatais e avanço nos ministérios. A criação dos ministérios da Igualdade Racial e dos Povos Indígenas, assim como a valorização da cultura.

Tudo aponta para o crescimento e desenvolvimento de um projeto político inclusivo para o Brasil. Queremos mais. O objetivo é paridade de gênero e raça nos espaços de poder e decisão. Que os governos, parlamentos e tribunais tenham a cara da sociedade brasileira. Só assim, teremos efetivamente uma democracia representativa e participativa. Viva a democracia, viva o povo brasileiro, viva o povo negro!

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